OLHAR DE CACIMBO



... porque nenhuma visão é neutra, porque o turvo precisa ser dito, ainda que maldito, antes que se perca em escuridão.










sábado, 5 de dezembro de 2009

Luanda is a Dog Ville

Vou parar por este ano. Parar de postar porque saio de férias, saio de Angola e da Africa por uns dias.

Saio com graça e agraciada, depois da desgraçada estada de 4 meses em Dog Ville_ Luanda.

Se pudesse sairia como a propria Grace.

Pra quem acha que to falando em côdigos, estou me referindo ao filme Dog Ville do Lars Von Trier. Grace é a personagem principal da trama.

Sou estrangeira numa terra alheia e mais do que antes pareço compreender essa grande obra cinematografica.

Uma excelente dica de filme para as férias, Não esqueçam de ver a continuação, o segundo filme: MANDELEY.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Policia de trânsito_ Nem tudo esta perdido

Essa semana em meio a um louco e tresloucado engarrafamento numa das via que sai de Luanda vai para o interior, depois de passar por Cacuaco algo tive uma visão que fez necessário o proferimento de um velho jargão: nem tudo está perdido.

Em meio a visão do inferno de sempre (dos inúmeros carros tentando chegar, as tentativas alucinadas dos motoristas de passarem pela direita ou pela esquerda, das obras e buracos e caminhoes e buzinas, e os candongueiros tentando passar por aqui e acolá... aquela loucura que parece indízivel para quem não conhece e nunca viveu e comun e quotidiana aos tantos que nasceram nisso), sob uma certa visão turva da poeira das obras da estrada estava o policial de colete laranja e cap na tentativa de controlar a fila do engarrafamento.

Como tantos, um certo carro tenta passar pela direita de todos e é parodo pelo Sr, polícia. De longe só se vê que o polícia tira energicamente a chave do carro, provavelmente para evitar que o motorista fuja, o que é muito comum em situações como estas (afinal as multas são altíssimas).

De dentro do carro sai rapidamente um homem vestido de militar e os dois discutem energicamente com o policial. O policial não lhe dá ouvidos, continua a controlar o transito, até que este lhe entrega a carta de condução em troca da da chave do veículo.

Passamos os Senhores, não sabemos se o infrator levou multa ao final, porém acreditamos que este policial parecia fazer seu trabalho direito. Inclusive não direcionando tratamento diferenciado ao condutor, mesmo sendo ele um militar.

Congratulations Mr. Polícia!

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Guarda-Chuva

No turbilhão do que chamei de esquizofrenia de grau 3*, essa que nos faz ler tudo por causa da solidão, encontrei uma pergunta que me intrigou: (estava no desopiler da Rosi)

Alguém conhece algum guarda-chuva que proteja a cabeça contra "quando o mundo desaba"?


E eu aqui na áfrica que nunca chove fiquei a me perguntar:

Alguém conhece um guarda-chuva que proteja a cabeça da angústia de que "tudo está suspenso, parece que vai cair no proximo segundo, mas não cai?"

E não adianta me mandarem derrubar de uma vez porque no fundo ninguem quer que caia.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Português d'Angola



E eu que pensava que se falávamos português falávamos todos a mesma língua.

Nada! cada dia tenho que reaprender a usar o português.

O Humpty Dumpty passou por aqui e mudou umas coisas. Ou pelo Brasil, já que o portugues daqui dizem ser mais parecido ao de Portugal.

Vejam...E se quiserer ler em angolês lembrem de ler o A sempre Á (com acento bem aberto, que vou usar aqui para ilustrar o som)

[p.ex. Luãnda não existe, o nome da capital é Luánda] [a palavra não é lida náo]

Casa de bánho é onde se faz xixi, banheiro não existe.

Café e chá se toma na chávena, ninguém sabe o que é xícara.

Se pedir sumo de ananás, beberás um ótimo suco de abacaxi.

Refrigerante quase ninguém sabe o que é, mas se pedir gazôsa trazem logo um refrigerante.

Viatura não é carro de polícia, qualquer carro é uma.

Muámba não é nada ilegal, nem vem do Paraguai, é uma comida feita com galinha

Ônibus não existe, só há cándongueiro e trem é cómboio

Sítio não precisa ser na roça, nem na intenet, qualquer lugar é sítio, e se for na roça se chamará Quinta.

Bazar não é lugar de vender cacarias, é ir-se embora (vou bazar), e nem é gíria, todo mundo fala assim

Bué é gíria, mas todo mundo sabe que quer dizer muito. O dia que chove Bué alaga a cidade inteira.

Miúdo e miúda é qualquer criança ou jovem, pode até ser grande e forte.

Quem quiser lembrar-me de mais algumas palavras por favor enviem contribuições.

domingo, 22 de novembro de 2009

Parque do Kissama, turismo em Angola

Como já falei muitas vezes aqui, em Angola encontramos muitas belezas naturais.

*Obviamente na capital Luanda, dificilmente encontraremos exemplares do que poderiamos chamar beleza, dado as caraterísicas peculiares de uma grande cidade africana, com suas desordens demográficas, sanitárias, de distribuição de renda, de valores globalizantes e sabe-se lá mais quantos fatores que nos fogem a compreensão e que contribuem para que a tal cidade possamos atribuir muitos predicados, menos o da beleza.

Longe de Luanda, há uns 100 Km começa uma grande reserva natural chamada Parque Nacional do Kissama. 

Estive lá sábado passado e fiquei encantada.

Dentro do parque há um restaurante onde se pode comer a comida típica Angolana. Comidinha caseira bem parecida com a galinha de panela e a polenta da minha mãe, que eu comia no Brasil quando era criança.

Coisa básica e boa, funge de milho com galinha de muanba, banana da terra, batata doce, ensopado de peixe a kalulu e feijão com óleo de palma.Uma delícia! e o melhor é que há uma parte externa no restaurante onde se pode apreciar a vista.

Um lindíssimo vale verde e úmido, cheio de vida. Da varanda sente-se o cheiro da brisa de terra úmida do Rio Kuanza que se vé longe lá abaixo, e os olhos se enchem com o colorido dos pássaros, das flores e borboletas. Com sorte, dá até pra visualizar macaquinhos a correr pelas árvores e algumas girafas ou veados ao longe.

O complexo turístico tambem disponibiliza guias e passeios dentro do parque e tem chalés para hospedagem e área para camping.

A pena é que tudo custa bem caro.

Apesar dos estrangeiros que estão em Angola já estarem acostumados com os preços abusivos (comparados com a Europa e com o Brasil p.ex), e não deixarmos de visitar locais assim, ao menos uma vez para conhecer, dificilmente iremos lá duas vezes. Enquanto se fosse barato poderíamos ir todo final de semana.

Isso vale para muitos outros lugares de Angola, são caríssimos mesmo quando são simples_ como é o caso Kissama, que apesar de ser no paraíso serve comida caseira, que todo angolano conhece e come todo dia (exceto os que não conseguem sequer ter comida).

Pros extrangeiros ainda tem sempre os inconvenientes policiais  pedindo documentos e verificando nossas condições de estada nos lugares. Todo estangeiro que está em Angola há algum tempo já se viu forçado a ter que pagar uma gasosa prum polícia lhe deixar em paz ao menos uma vez.

*Isso quando não temos que voltar porque simplesmente os caras não nos permitem o acesso. Pior ainda quando nos levam a departamentos policiais para explicar porque paramos tirar foto dum predio ou praia. É estranho, mas acontece, é como se fossemos espiões a traficar informações.

Pros Angolano tambem é difícil passear e viajar, porque além de tudo ser caro e as familias serem maiores (o que encarece ainda mais), há poucos lugares onde se pode ir de candongueiro (ônibus) ou de comboio (trem). Nos sítios ou se vai de viatura (carro) particular ou não se vai.

Informaçoes sobre o Kissama: 244 925 314 949
 O site estádesatualizado:http://www.kissama.angoladigital.net 

sábado, 21 de novembro de 2009

Um blog sobre Africa

Pra quem lê meu blog já deve ter visto que escrevo cá minhas coisas e também sigo ao lado, à direita na tela, coisitas que outrem escrevem sobre Angola.

Um dos blogs que mais gosto e admiro é o Diário da África. É de uma pessoa que sequer conheço e que além de escrever bem, consegue contar seus dias bons ou nem tanto nesse continente.

Consegue ser conciso (bem mais que eu), imparcial e realista. Por vezes é até divertido, porque tem senso de humor diante de fatos quotidianos, como quando conta os episódios no aeroporto 4 de fevereiro, que é assim mesmo, afinal quem vive isso sabe. Ou quando fala da agressão que sofremos nós os "brancos estrangeiros" nas ruas.

Nunca enche de muita opinião nos posts e nem está embebido de idéias pré-concebidas como "ah angolano é preguiçoso", como já vi nuns blogs de gente que vem aqui tentar mudar o estilo de vida das pessoas; ou outros blogs que trazem informações mas estão tão embebidos de um "bom samaritanismo" que nos fazem pensar que os Angolanos, "ó coitados" são ovelhinhas perdidas nessa selva.

Afinal O blog é ótimo e foi injustamente criticado por alguem, brasileiro (que nunca veio à Angola) porque teria generalizações bobas e infantis e porque só faz criticas críticas. ("as críticas não acabam nunca").

POR FAVOR!!! PODE ALGUÉM SER CRITICADO PORQUE FAZ CRITICAS DEMAIS?

E pior: diz que se ele fosse Angolano estaria chateado com o blogueiro.

Imaginem! tem cabimento uma coisa dessas??? Se alguém critica o país que você nasceu, porque tem um olhar crítico e consegue perceber as "merdas" que ocorrem ali, o cidadão vai ficar chateadinho porque tão criticando o país que ele nasceu.

Isso não é argumento. GOOD, isso é FREAK SHOW.

Os argumentos contra o blog seguem e são tão bizzaros que valeria uma analise lógica detalhada da invalidade e da falaciosidade de cada um. Para ver a crítica na íntegra:  clique aqui

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Imbundeiros em Luanda

Já é mes de novembro. Ando por estas paragens desde agosto e já se foi o cacimbo. O sol escaldante do verão traz a chuva, o verde e esse calor quase insuportável. Os olhos não vêem mais do que com o cacimbo porque tendem a fechar com tamanha luz. A sensação fisica é de que se está dentro de uma gigantesca sauna em forma de cidade.
No cair da tarde, sorrateiro e benevolente, chega um ventinho tão agradável e descabelante que nos faz quase agradecer aos céus pelo fim de mais um dia e pelo refrescor de fim de jornada.

Ah Luanda! essa capital com nome de mulher, tão agradável e prostrada femea, a deixar que diariamente lhe abram valas, lhe perfurem canteiros, lhe introduzam cimento e ferro.

Ah agradável mãe, que deitada à beira do mar agracia os filhos com um sopro fresco em dia de sol, e nem parece reclamar as dores que traz no ventre e os barulhos de buzina que lhe ferem os ouvidos.

Ah querida amante de negros e brancos, prostituta de ontem e de agora, abriu as pernas a portugueses e a nativos e agora, gangrenada, continua a servir: chineses, brasileiros... e a toda gente de qualquer canto por poucos vinténs e por algumas regalias a seus filhos queridos.

Ah mundo estranho. Tanto lixo, tanto esgoto, tanto cancro no leito e na pele de antiga cidade que de perto ainda tem lá seus traços de dama educada e fina de sociedades menos bizaras e brutas como as nossas de agora.

Ah Luanda de outrora, imagino-te com o mesmo mar e o mesmo ventino de final do dia. Sem buzinas, sem assaltos, sem britadeiras e sem ferros e concreto. Será que habitavam Imbundeiros nessa senhoras?

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Choveu em Luanda

Depois do cacimbo, depois da chuva, depois de 3 meses aqui. Agora tudo está iluminado e verde.
Luanda Antes e Depois... da chuva

Antes




 Depois

Antes;
o temporal estava a se formar e o céu ficou escuro, dava pra ver a chuva ao longe que se aproximava


3h da tarde e veio a noite
 




desabou uma chuvona


 

 as ruas ficaram alagadas


 

Daí veio o Sol, e aquela Luz de céu varrido



 e daí em diante tudo ficou verde

Compare o Antes e Depois
da Embaixada dos EUA
Antes...



Depois...




Milagres das águas
A metafísica das chuvas.


domingo, 8 de novembro de 2009

Pôr do Sol Africano

Um dos maiores espetáculos da terra.
O céu pequeno ante o mar,
e o mar é nada ante a força do astro rei.
O céu rasgado em luz,
e a esfera vermelho-alaranjada a esconder-se, delicadamente,
sob os traços horizontais acinzentados do gigantesco oceano Atlântico.
Devagar como quem respira, morre o sol como se deitasse a sesta.




PS: O Álvaro de Campos disse que não há mais metafísica no mundo senão chocolates e o Alberto Caeiro, que era mais radical, disse que não há metafísica alguma, o que há são os sentido, o Ricardo Reis dizia que mais vale ouvir correr o rio e o vento. Salve os poetas Pessoanos. Salve a natureza, o resto...é nada.
Nem chocolates se comparam a esse pôr do sol. É compreensível que todos os deuses sejam feitos de luz. É compreensível que nossos antepassados adorassem esse Deus. É perfeito que a criança de Saint Exupery, quisesse repetir, com um simples afastar da cadeira, tantas vezes o espetáculo.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Revista Caras Angola


É uma das coisas mais bizarras que já vi. Não que as Caras do resto do mundo não seja, já o sabemos. A do Brasil é o "Ó", cheio de mulheres oxigenadas e siliconadas a exibirirem seu sorizos duros emoldurados pelos lábios tesos de butox, o bronzeado artificialézimo e o discurso sempre igual: as solteiras a afirmarem que são felizes e autosuficientes mesmo sozinhas e as casadas a mijarem nas calcinhas ao falar do marido, o grande prêmio de suas vidas.

A Caras de Angola que eu tive o desprazer de ler na sala de espera do dentista falava da belíssima história de amor do cantor Anselmo Ralf (Cantor Angolano romântico).

A história era simples e cheia de jargões preconceituosíssimos de familia, propriedade e romantismo barato. O tal conheceu a esposa através de um amigo, falaran-se durante 1 mês por telefone (já que internet aqui ainda é coisa de outro mundo) e então se conheceram, casaram-se e estão felizes para sempre. Agora ela é a dona do indívíduo e vive num condomínio de luxo no Talantona, que tem até jardim. Como se não bastasse ser a dona do bebezão choroso e famozíssimo, que só aparece de óculos escuros pra não perder a pompa de astro, eles também tem uma filhinha e formam o ideal idealíssimo: a família feliz.

A fulana esposa que é tão bela como o resplandescer da luz da lua, segundo o texto da revista, tem os cabelos alisadíssimos (como toda negra "rica" Angolana),e apesar sa roupa preta de setim brilhoso está visivelmente muitíssimo acima do peso. Complementa a beleza invejável os seus estupendos olhos azuis que lembram o mar de uma lente de contato ímpar, tão falsos quanto as edificações morais oferecidas pela revista.

Já o garanhão Angolano, uma flor de formozura, com seus óculos escuros e camisa aberta no peito, a exibir parte de uma rosa tatuada em vermelho completa o charme pessoal com um sorizo misterioso de um ligueiro prognatismo no queixo.

Ai, deus me perdoe o veneno. Dessa vez não me aguentei. O cacimbo é fumaça de criolinha e está a sair das minhas ventas.  As músicas do gajo é só ver no youtube:  http://www.youtube.com/watch?v=OGuEUIBfJC8&feature=related

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

AngolaGate

Está em todos os jornais. É uma contradição, eu heim! No final das contas, ainda bem que há versões diferentes até pra história atual. Mas que é muito esquisito é. Os heróis de um país, foram ajudados por pessoas que são julgadas como criminosas, justamente por terem ajudado esses a se tornarem heróis. A guerra é um dos fenômenos mais intrigantes da espécie humana.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Detalhes de Angola e nós, seus atuais habitantes

Passados os piores dias de cacimbo, mesmo que minhas visualizações continuem e sempre continuarão parciais e turvas, há coisas que me vao sendo mais claras. Com a brincadeira do POST anterior, penso que consegui ilustrar algumas “figuras” luandenses. Entretanto gostaria de dizer palavras sobre minhas impressões das pessoas que aqui vivem e trabalham. Primeiro, há diferenças cruciais entre os postos de trabalhos dos estrangeiros e dos nativos, o que já era de se imaginar, pois o país está se restabelecendo e governo e empresas multinacionais ditam regras e comandam as atividades. Comandar não significa mandar. Quem manda são os angolanos mesmo, na voz do governo e dos poucos agraciados empresários e investidores aqui nascidos e fora formados, como é o caso da filha do presidente que é a expressão do poderio empresarial angolano e que não limita sua fortuna a Angola, tem parte em bancos em Portugal. Excetuando os pouquíssimos agraciados por oportunidades e certos “dons” para lidar com as finanças a maioria do povo angolano (da capital) vive de prestar serviços básicos e de vender tudo e qualquer coisa que alguém possa comprar. Nas cidades do interior e nas comunidades rurais sobrevivem da agricultura, de pouco comércio entre si, e da máquina do estado, responsável pela maioria dos empregos formais. O estado se mantém, majoritariamente, das parcerias com seus investidos internacionais sobretudo no setor do petróleo e de diamantes. Por outro lado investe recursos oriundos daí nas áreas de agricultura, infra-estrutura, tecnologia e desenvolvimento, que trarão mais progresso (e consequentemente mais cumbú=dinheiro) à nação. Tambem investe um bocadinho sim em educação, saúde, saneamento básico.... como em qualquer país em desenvolvimento.

Na área de exploração de petróleo quem extrai e desenvolve todas as tecnologias para encontrar e retirada do mineral são umas multinacionais (TOTTAL e outras) e quem refina e distribui pelo país é a estatal Sonangol. Todos os postos de abastecimento de combustível no país são do estado e o combustível é muito barato. _ encher o tanque de óleo num carro 4X4 custa uns 30,00 reais_ Contudo o abastecimento pelo país ainda não é muito eficaz. Na capital há poucos postos de abastecimento, se considerarmos o tamanho da cidade e a quantidade de carros, e sempre há que se fazer fila para abastecer os carros. O tempo médio que se fica na fila para abastecer é de 1 hora. No interior há locais que os postos ficam dias sem combustível, porque quando recebem acaba muito rapidamente e tambem porque como a maioria das estradas ainda está avariada (ou em reforma) e há muito engarrafamento, existe dificuldade para os caminhões tanque chegarem com o produto. O mercado paralelo da gasolina e do gasóleo (óleo) estabelece-se e salva quem precisa se locomover e tem o tanque vazio. Há pessoas que passam horas e horas em frente aos postos com galões (bidões) de 20 ou 30 litros a espera que o posto abra para comprarem óleo ou gasolina e depois revenderem. Nas regiões de fronteira, como por exemplo a fronteira sul com a Namíbia, onde o combustível é caro, há um eficiente tráfico a conta-gotas. Em contrapartida há um tráfico contrário, da Namíbia para Angola, de tudo o resto, já que  em Angola é sempre caro demais. Pelo que dizem, as polícias aduaneiras de ambos os países fazem vista grossa e ganham suas gasosas (nome dado ao suborno que recebem para tomar alguma bebida=gasosa), até porque sabem que estão a contribuir para que as pessoas da região possam continuar com suas vidas e que o mundo siga seu curso.

Com a reconstrução do país surgem milhares de novos postos de trabalho, especialmente nas construções das estradas, pontes, trilhos, hospitais, escolas...e inflama um novo vigor comercial devido ao pequeno poder aquisitivo que cada cidadão recupera ao ter um salário. A efervescência comercial se acentua ainda mais com a presença dos estrangeiros que além de terem maior poder aquisitivo, também usufruem dos serviços hoteleiros, imobiliários, aluguéis de carros, passagens aéreas, contratações de guias e motoristas e, inclusive, contratam pessoal para serviços “menos braçais”, como contabilistas, atendentes, auxiliares, secretárias.

É muito diferente a relação de cada grupo estrangeiro com o país. Como é de se imaginar, igual a qualquer país africano, há gente expatriada de todos os tipos a exercer inúmeras funções. Há muitas ONGS, há médicos, há professores, que vem para projetos e há os empresários que vem pura e somente pela grana. De um modo geral (de olhar de cacimbo) há uma diferença muito grande entre os estrangeiros que vivem na capital e os que vivem no interior. No interior costumam ser mais integrados à vida das cidades e das pessoas, até porque são reconhecidos por prestarem algum serviço e também porque trazem um certo progresso para o lugar. Na capital não são tão bem recebidos, pois são vistos como exploradores. Pessoas que vêm roubar os postos de trabalhos dos Angolanos (o que não é de todo mentira) e mesmo que usem serviços e gerem empregos, usufruem de uma gama de “privilégios” que deve gerar “revolta” aos nativos. que os servem e os obedecem. O pior é que a hostilidade acaba se tornando viciosa, pois nativos são hostis ,  estrangeiros retribuem, e assim segue o eterno bate e volta. Além disso, os estrangeiros que estão aqui estão para “ditar”, ou seja, para determinar regras, horários de trabalho, normas e esquemas que façam as coisa funcionar. Mesmo as Ongs ou os médicos e os professores, vêm dizer como comer, como cuidar do lixo, vêm ensinar. Todos vem com suas “verdades” de um “outro mundo” que funciona melhor. As novas gerações parecem mais abertas ao novo. _A facilidade que têm com as línguas lhes auxilia na comunicação e lhes dão oportunidades de emprego e crescimento, a maioria já nasce falando português e mais uma língua africana e inglês ou francês conforme a proximidade com as fronteiras sul ou norte._ Já as gerações mais antigas resistem mais às mudanças, apesar de terem tido desde muito a presença dos portugueses e depois dos cubanos e dos soviéticos no país, experiencias estas que em tudo parecem ter sido desagradáveis, pois lembram sobretudo da guerra. Agora, os extrangeiros ão de todos os cantos do mundo, inclusive muitos brasileiros, e tal como antes, em pareceira com o governo continuam a explorar, e também a gerar emprego, a trazer desenvolvimento enfim, modificar a essa terra e essa nação que há muito já não é a mesma.

É especial o caso dos chineses presentes em Angola. Há chineses por todos os cantos do país. Quase todas as placas tem inscrição em português e em caracteres chineses. Em geral estão aqui a fazer o mesmo que a maioria dos brasileiros, obras e construções, especialmente das estradas. Contudo, a parceria Angola-China não é com empresas, como é no caso do Brasil, mas com o governo Chinês. Por isso, há chineses engenheiros e peões de alto nível, a gerenciar obras, e há chineses fazendo serviços básicos ao lado dos angolanos recrutados para tais obras. Pelo que contam, nos acampamentos chineses do interior, que estão por toda parte do país, há chineses prisioneiros oriundos das cadeias chinesas que vêm à Angola prestar trabalhos para o estado chinês. Eles trocam dias de trabalho pela pena, mas não na China e sim em Angola. Se há presidiários mesmo, eu não sei, é o que dizem. Porem o que torna a presença dos chineses bastante especial e peculiar em relação aos outros expatriados é o grau de interação que conseguiram com o país e com as pessoas de Angola. Há chineses vivendo nos bairros pobres da capital e das cidades do interior. Há chineses casando com angolanas e tendo filhos negros-orientais (com certeza serão um novo tipo de mestiços, uma nova etnia local). Estão nas praias a comer espetinho de lula e tomar cerveja , estão nas feiras populares junto com os Angolanos. São um tipo de estrangeiros completamente adaptados e em interação com a população local.

Os brasileiros também são bastante adaptados e em geral bem recebidos, graças à TV brasileira  e as novelas que os angolanos adoram tanto quanto os brasileiros. Contudo não chegam aos pés dos chineses, os  brazucas que vivem na capital, em sua maioria (eu não me incluo nesses) vivem num lugar retirado do centro da cidade, em um bairro novo (Luanda Sul), sem lixo, sem, sem sujeira, sem prédios destruídos, sem pedintes, sem musseques, sem falta d'água ou luz, e com muitos guardas, muros e grades. Há ali um shopping, com supermercado, salão de beleza e umas duzias de lojas caríssimas e nada se parece com a África. Os trabalhos desses, ou são novas construções nesta região mesmo, ou são pontes e estradas e outras tantas edificações em outros pontos da capital onde passam apenas o dia ou no máximo algumas horas dele. No interior também há alguns brasileiros a viver e fazer outras coisa que não construção civil. Ainda na capital há brasileiros a viver no centro e trabalhar com informática, comércio, saúde, educação...estes interagem mais, na medida do possível.

Entre os angolanos há uma única diferenças étnicas que eu gostaria de enfatizar: Os emergentes são mestiços. Os mais negros ocupam funções básicas, transporte, segurança, limpeza, arrumação, obras, venda de produtos na rua, etc etc. Os menos negros (mestiços), ocupam cargos de secretárias, contabilistas, despachantes vendedores de lojas oficiais. A única exceção a tal regra me parece ser a categoria dos políticos. Esses são de todos os tipos, há inclusive políticos brancos descendentes de portugueses. Fora os políticos, os que ficam no sol todos os dias, os guardas, os policiais, as empregadas, os vendedores ambulantes, os viventes dos musseques são a maioria negro de várias etnias, porém sem qualquer clareamento na pele por qualquer mestiçagem. Os únicos brancos a viver nos musseques parecem ser  os albinos. Inclusive esta é uma peculiaridade genética bastante comum em angola. Há pelo menos uma criança albina em cada grupo de crianças que se visualiza a jogar futebol, ou nos grupos a ir para a escola. Imagino que devem sofrer com o sol, agora que o cacimbo está a passar, já se consegue perceber como é forte a claridade e o calor. 

domingo, 11 de outubro de 2009

Classificação dos habitantes de Luanda.

Passados os piores dias de cacimbo, arrisco uma classificação dos viventes dessa cidade. Antes sugiro que compreendamos que toda a rotulagem que uso aqui seja compreendida numa taxonomia maior e aceita cientificamente em todo o mundo desde séculos e séculos... AMÉM. Está escrita numa antiga enciclopédia chinesa e foi resgatada por Jorge Luis Borges e depois por Foucault. Lembrem-se:
Os animais se dividem em:
“a) pertencentes ao imperador; b) embalsamados; c) amestrados; d) leitões; e) sereias; f) fabulosos; g) cachorros soltos; h) incluídos nesta classificação;
i) que se agitam como loucos; j) inumeráveis; k) desenhados com pincel finíssimo de pelo de camelo; l) etcétera; m) que acabam de quebrar o jarro; n) que de longe parecem moscas”.

A taxonomia geral de Luanda, segundo eu que vos escrevo poderia seguir a seguinte divisão:

A) os que usam panos coloridos e que são mulheres;
B) os que são guardas;
C) os que usam abotoaduras nas camisas;
D) os menos negros com muito dinheiro;
E) os brancos vindos de outro país;
F) os chineses;
G) os lavadores de carro;
H) os políticos;
I) os que se enquadram nas classificações C, D e H;
J) os atingidos por minas terrestres;
L) os que cagam na rua duarante o dia;
M) os que foram à fila para gasolina;
N) o presidente da repúbluca;
O) os que se encaixam na classificação A e trocam dinheiro na rua;
P) os que sempre respondem “obrigado”;
Q) os albinos;
R) os que ainda não sabem que tem sida.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Dia de sol, dia de sàbado

Um rapazote sai dum predio a gritar em pleno sábado ali pelas 3 da tarde.
_O gringo! Tu é estangeiro que eu sei! Eu te conheço, ingrato!

E foi se aproximando até que chegou muito perto com os insultos. Paramos, falamos ao tal. E ele conseguiu ganhar um pequeno empurrão. Por pouco levaria uma surra. Poderiamos estar presos por bater num cidadão. A xenofobia anda por aí.
Contudo, trabalhadores que viram, enquanto concertavam um telhado muito proximo anunciaram em alto e bom tom.

_ Deixa o moço! Que que é isso! Tá drogado!
A nitida anti-xenofobia, o que nos deixa mais aliviados. Era um maluco anti-estrangeiro contra 20 pessoas que percebem que uma pessoa dessas so poderia estar louca.

dia de sol, dia de simpatia.

As mulheres que trocam dolares falam comigo. Perguntam de onde sou, porque tenho isso nos dentes, se isso dói. Se sou casada, se tenho filhos. Se quero comprar roupas. Dão sorrisos. Eu lhes digo que gostaria de ser negra, a pele é mais resistente ao sol. Elas dizem que eu tenho orgulho da pele negra. Eu digo que sim. Damos risadas. Troco dolares, compro bananas, vou-me embora. Elas me dizem que volte.

sábado, 3 de outubro de 2009

LUANDA e BRASIL _ Novela, gente, periferia (vîdeo de 2007)

Videos bàsicos apresentados na TV Brasileira, no fantastico. Porem muito Ilustrativos.

OBS:
Grande equivoco a parte que ela fala dos portugueses, que teriam ido e deixado tudo assim. Mentira, foram mandados embora e tudo se tranformou com a guerra.



A influencia das novelas na vida dos angolanos. Parece bem verdade. Hoje em dia tem mais energia eletrica que em 2007

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

O Cacimbo está indo embora

Dias de outubro. O cacimbo está dando lugar ao sol. As cores e o calor estao mais intensos. Os primeiros sorrisos surgem por trás da névoa. E ademais há coisas que só o sol nos deixa ver, ora poix.


quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Angola, fim de assaltos, conjecturas de Nocaute III

UM POUCO DE HISTÓRIA
Angola já foi comunista, agora é socialista aberta, se é que se podem aplicar rótulos. O governo atual de Angola é representante de um partido socialista, o mesmo que fazia o comunismo no país na década de 90. O mesmo que ganhou a guerra civil que houve por aqui, que durou de 1975 até 2002 e destruiu o país inteiro, ou o pouco de país que havia sido construído pelos portugueses. Trata-se do MPLA (Movimento pela libertação de Angola). A guerra se deu sob o pano de fundo da guerra fria e quem teria financiado o MPLA seria a Rússia e seus apoiadores, mais colaboração das tropas cubanas. 
Sabemos que a história e os detalhes de uma guerra mostram mais meandros que essa mera simplificação. Que no limbo das engrenagens políticas de um país, crescem fungos e ferrugens que sequer tomamos conhecimento se olhamos para a fotografia distante da grande máquina a funcionar. Sabemos que grandes potências financiando guerras em pequenos países pobres do sul do globo são uma lenda clássica que nos contam na escola quase como as história de bruxas, de monstros, de mocinhos e bandidos. No final, contada assim, a ideia de que a historia é uma ciência, com critérios certos, repetitiva e linear quase que nos convence por completo. 
Como não podia ser diferente, a historia daqui também tem um Simón Bolívar, um Nelson Mandela, um Ghandi, ..., um libertador nacional e nacionalista. Trata-se do senhor Agostinho Neto, poeta e herói nacional, condecorado pela única universidade pública do país, que leva seu nome e homenageado todos os dias por todos os cantos da nação através de quadros com sua fotografia de olhar sério e sonhador por trás de grandes óculos de aros grossos que adornam as paredes de escolas, hospitais, prefeituras e estabelecimentos públicos. No dia 17 de setembro, a comemoração é especial, feriado nacional para lembrar seu aniversário de nascimento. 
Foi o primeiro presidente do país, o fundador do partido, o idealizador da independência, aquele que lutou por Angola durante as guerrilhas e morreu de cirrose hepática, durante tratamento na Rússia, como um bom comunista poderíamos pensar todos, imaginando que o álcool estaria sempre presente nas exaustivas votações de pautas, de orçamentos, de projetos, etc., etc., durante os processos democráticos aos quais sempre se submeteriam todos os marxistas verdadeiros. Porém há outras versões para sua morte, como a de envenenamento, porque já começava a abrir o país pra conversas com outras nações, inclusive ao Tio Sam. 
Hoje, seu mausoléu na cidade de Luanda é digno dos grandes monumentos mundiais, como a estátua da liberdade e a Torre Eiffel. Seus companheiros de partido continuaram a luta e discursam para que sua memória e seus ideais não sejam esquecidos. Dirigem a nação de modo legítimo e internacionalmente aceito desde o acordo de paz que selou o fim da guerra em 2002. A guerra foi ganha através do último acordo tácito de paz contra o movimento, então enfraquecido, UNITA (União nacional para independência total de Angola) que hoje é um partido político secundário sem a mínima representatividade, cujos principais representantes da luta no passado estão mortos. Eu não virei especialista em história, principalmente de Angola claro, nem tenho clareza suficiente pra opinar sobre nada, mas confesso que fico tão intrigada com certas peculiaridades do que vejo que me incita pesquisar sobre o que de fato acontece. A volta do sonho ingênuo cientificista: “Até que o sol não brilhe, acendamos uma vela na escuridão” ( Confúcio). Até que passem os dias de cacimbo.



Angola, fim de assaltos, conjecturas de Nocaute II


Economia; sociedade; Dinheiro; pensamentos, conjecturas e conjecturas... 
 

O que me deixa pessoalmente impressionada é que me sinto uma rica aqui._ Não por ficar num hotel, que isso me faria rica no Brasil também, afinal sempre que viajo fico em barraca, em pousadinhas, ou, o que é o melhor: na casa dos amigos._ Por frequentar um barzinho e tomar uma cerveja nacional, que por sinal custa 3 vezes mais no barzinho que na rua ou nalguma loja ou mercado. Por ir ao dentista, entao, sou uma milhonária. São coisas tão básicas que a população em geral não tem acesso. 
 
Segundo a TV local, que é do governo, começa a haver consultorios odontológicos e clínicas públicas para a população. Eu até acredito e não duvido. Mas sabe aquela sensação que todos temos no Brasil de que se ficarmos doentes, a menos que seja uma doença gravíssima, se consegue um posto de saúde, consegue uns exames, uns remédios? Aqui não parece existir. Aquela sensaçao de que se não for um caso especial, conseguimos parcelar um dentista. Aqui não me parece assim. 
As pessoas são desdentadas. Vi moças novas com cáries visíveis nos dentes da frente. Não as ricas, claro. Não as que usam camisa e saia secretária, que andam de saltinho do carro até a entrado do local de trabalho e depois deste até as suas casas. Por outro, mesmo as desdentadas tem os cabelos alisados ou com aplique de mega hair, com tranças africanas perfeitas, que são feitos na rua ou em casa com cabelo artificial. 
 
São diferenças, sei que não há cultura de escovar os dentes, sei que isso não se chama cultura, se chama educação. Na verdade não tem água direito, muito nenos escova e creme dental. Imagino que as escovas não sejam tão caras, tem gente que as vende na rua, bem mais barato que nos mercados e ainda há os mercados populares, os roque santeiros, onde deve ser mais barato ainda. Só que pra quem quase não tem comida, para quem tem 7 ou 8 filhos, são muitas escovas, não há condições, não vejo como inserir esse tipo de educação. Fazer mega hair deve ser mais fácil, uns fazem nos outros e assim vão treinando para de repente fazer nalgum rico (como eu). 

As pessoas me interrogam quase todos os dias sobre o que é isso que tenho nos dentes. Tem gente que acha que é adorno, como quem coloca dentes de ouro. Eu quase não sorrio na rua porque é vizivel que os olhares interrogativos se dirigem para minha boca com o aparelho ortodôntico. 

Eu me interrogo o tempo inteiro, fico aqui com as minhas filosofices, meus pensamentos sobre a justiça, sobre os tais sentidos das coisas, sobre minhas direções... No final não entendo. Fico é mais filosófa do que antes, filosofia de boteco, ao modo de Sócrates: quanto mais conheço mais sei que desconheço. Depois ao Chico Buarque: ... a filosofia, hoje me auxilia a viver indiferente assim... vou fingindo que sou rico... 

Angola, fim de assaltos, conjecturas de Nocaute I

Economia; sociedade; Dinheiro; pensamentos, conjecturas e conjecturas...


Não consigo saber ao certo o porquê de aqui tudo ser tão caro. Fico a imaginar como foram os anos pós colônia portuguesa, os combates, o comunismo, a presença dos sovieticos e cubanos (Hoje estão os portugueses, franceses, chineses, americanos e brasileiros). Penso na diferença entre essa política e a o capitalismo declarado. Fico a imaginar como os angolanos compreendem sua própria história. O que se aprende na escola, o que mudou e o que mudará com tanto ¨progresso¨. Talvez a história explique muito da agressividade dos gestos e palavras dos transeuntes. A tristeza no rosto da mulheres. A negação aos estrangeiros, a necessidade incontrolável de pedir dinheiro. Fico a me indagar como é se sentir como nação depois de tantos conflitos. Porque o custo de vida é tão alto se a guerra deixou tantos pobres? Tento compreender, bebo em fontes angolanas _ estou a ler ONDJAKI, ótimo escritor conta sobre o país e seu povo_ Eu tenho minhas conjecturas. Penso que como a maioria das coisas ainda é importada, tudo tenha um valor acrescido pelo transporte, pela importação, pelo atravessamento comercial, etc. etc. Também sabe-se que há poucos serviços, hotéis, pousadas, restaurantes, bares, supermercados, lojas, de nível razoável (de limpeza, de condições visuais menos destruídas, sem pulgas, moscas, mosquitos, ratos...) o que faz com que haja uma supervalorização do pouco que existe.
Quando penso nas contradições que envolvem essa nação, um país riquissimo (com un dos mais altos PIBS da Africa, cheio de petroleo e diamantes) e com uma distribuição tão desigual, (gente que vive com menos de 1 dólar por dia). Me parece natural, diante do quadro, que eu não consiga sair às ruas sem ser assediada por pobres pedintes, vendedores de tudo e de nada, loucos pelo meu dinheiro mesmo que eu não o tenha. Não deixo de me sentir insegura numa sociedade como tal, e não é porque o cidadão angolano tenha uma tendencia a delinquência (como até poderiamos considerar certos brasileiros no Rio de Janeiro, ou em Salvador, lugares turísticos e com problemas de distribuição de renda, que usam da malandragem para enrolar o estrangeiro e ganhar algum), mas porque somos os ricos locais e, supostamente, o que lhes daremos como esmola jamais nos fará falta. Se somos estrangeiros, frequentamos um hotel, comemos num restaurante, compramos em supermercados, somos, obviamente, pessoas com muito dinheiro e, certamente, poderemos ajudá-los. Espera-se que a reconstrução do país poderá fazer o custo de vida baixar, assim como está aumentando o número de empregos, escolas, hospitais, ou seja, está (esperamos) melhorando o país. Ao menos esse é o discurso que se vende e se doa aos quatro cantos do mundo.


Contudo parece que a diferença social se firma, não apenas na carência dos meios, mas em outras questoes proprias de nossas sociedades atuais, a saber, a superrvalorização dos produtos para estabelecer as diferenças de poder, para marcar território, para mostrar quem pode e quem não pode _ É uma fetchização das mercadorias para usar termos bem clássicos de uma escola de pós-marxistas_ Por exemplo, as roupas aqui são um absurdo de caras. Uma camisa qualquer vendida na rua, custa 3000 kuanzas, ou seja, uns 35 dólares, coisa que na europa custaria 8, no máximo 15 e não venderiam na rua. E isso determina muito bem quem usa roupas, sobretudo sociais, e quem anda com as camisetas amareladas pelo tempo e pelo pó.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Hotel e restaurante em Luanda_ terceiro assalto

O hotel que nos hospedamos, por exemplo, baixou uns 200 dólares o preço no último mês. Espero que por causa da concorrência. Ainda assim é caro pra burro. É um hotel de uma grande rede, enorme, um 4 estrelas, (no site diz que são 5) eu diria que não merece mais que 2, porém não sou especialista. Está sempre lotado, em geral de estrangeiros, que não estão aqui por turismo a desfrutar um 5 estrelas na linda e tropical Luanda. Mas sim porque há poucos hotéis e os preços são quase os mesmos em todos os lugares. As condições reais do hotel: Tem dias que não deixam sabonete ou papel higiênico, tem que ligar e pedir. Outros dias o banheiro não é limpado e isso é nítido. Aspirador no chão que é de carpet, vez ou outra. Os copos que ficam junto a um pequeno frigobar nunca são trocados nem lavados. Não há critério nenhum para os serviços. Não há padronização de serviços. É nítido que as arrumadeiras chegam de má vontade, penso que não gostam de trabalhar, o que não é nenhum pecado afinal tambem não sou nenhuma fã de trabalho, contudo a constante cara amarrada e a falta de simpatia para com os clientes é desagradável. O mesmo pode se aplicar a quase todos os funcionários. Salvo raríssimas exceções. Nunca falta água e raramente luz, isso precisa ser dito, talvez o motivo de lhe darem tantas estrelas, oferece confortos raros por aqui.
      Os aluguéis dos apartamentos, casas e salas comerciais não são muito diferentes. Morar aqui pode ser tão caro como morar num bom bairro em Paris, em Londres, ou Nova York. No interior do país não sei direito como as coisas se configuram. Sei que faltam residências disponíveis para alugar e o que existe ainda não funciona bem, apresenta problemas de fornecimento de água, energia e escoamento de esgoto. O abastecimento de água e energia na capital também é ruim. Mesmo quem vive em locais privilegiados (como os bairro chiques dos estrangeiros em Luanda Sul) precisam ter gerador próprio e reservatório de água para não sofrer com o desabastecimento. Os grupos de estrangeiros que trabalham no interior, como as equipes de saúde cubanas e outros trabalhadores do mundo todo, ou são abrigados pelo estado ou pelas empresas em casas que constroem para eles.

       Os restaurantes que frequentei fora de Luanda, um em Porto Amboím e outro em Sumbe, ambas cidades da província do Kuanza Sul, cidades de praia, potenciais turísticos ainda pouco explorados, praticavam preços iguais aos da capital. Os serviços também traziam a mesma qualidade, ou seja, razoável. Em Benguela e em Namibe, capitais de duas províncias bem mais ao sul, ainda no litoral, os preços dos restaurantes eram discretamente mais baixos, com a mesma qualidade também. Estas duas últimas cidades, entretanto, apresentavam mais estrutura tanto para turismo quanto para os cidadão _ Em Benguela funcionam escolas superiores, há ginásios de esporte, inclusive o grande estádio em fase de conclusão que sediará o CAN 2010.
      Na cidade de Caxito, capital da província de Bengo, bastante próxima à capital Luanda, há dois ou três restaurantes. Os preços são um pouco menores que os da capital, mas a qualidade também diminui. O restaurante considerado melhor dos 3 e tambem o mais caro, cobra 1.600 kuanzas (16euros) por um peixe grelhado com batas e legumes cozidos. Se quisermos sal e azeite temos que pedir, os guardanapos são de papel e nem sempre estão presentes. A comida demora horrores para sair e não tem nem umas fatias de pão como entrada; se vc quiser café tem que pagar mais 450 kuanzas por xícara de café solúvel (nescafé) já adoçado.

      Não quero ser mal interpretada, penso que entenderia se alguem me dissesse que é exagero meu, afinal na África não se pode exigir muito. Nesse hotel quase não falta energia e sempre há água, inclusive quente. Só que não consigo deixar de pensar no absurdo que se paga. Se fossem serviços básicos feitos por gente mal humorada e por preços razoáveis, não me pareceria tão chocante. Mas paga-se o preço de um hotel de mesmo porte na Europa ou nos Estados Unidos para ficar num quarto com  banheiro de azulejos amarelados de sujeira, de chão empoeirado, com louça suja e se eu quiser tomar água em copo limpo, tenho que lavá-los. Não preciso de guardanapos. Eu me contentaria em comer qualquer ¨grude¨ com as mãos mesmo, como me contou que faz a minha amiga que está no Quênia. Teria lá seu charme antropológico. Mas 16 Euros por uma refeição simples! sem entrada, sem cafezinho. (São 42 reais por pessoa pelo cambio do Euro hoje).  É  uma peculiaridade desse país que é incompreensível. Não tem como não ficar absolutamente cheia de questóes e mais questóes.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Dentista em Luanda, segundo assalto


Essa semana consegui ir a uma dentista fazer manutenção do aparelho ortodôntico. Um prédio horrivel, umas escadas que quando entrei pensei: vou morrer de infecção nesse lugar. Nada! lá dentro tudo limpo esterilizado, ótimo. Na hora de pagar: FACADA: 100 dólares por mês a manutenção. Eu ando pasma com essa cidade em relação a isto, os preços. No Brasil a gente é feliz e não sabe. Aqui os preços são mais caros que na Europa e nos EUA. Se você for estrangeiro então os preços se multiplicam. Se não fala português pior ainda. Uma mulher francesa me contou que pagou 600 kuanzas por 4 bananas pequenas dessas compradas nas ruas das vendedoras ambulantes. Em geral consigo comprar bananas na rua por 300 kuanzas a penca, mas falo a língua e não aceito preço maior. O que mais me impressiona é que tudo custa uma furtuna e a maioria das pessoas é paupérrimas. Por outro lado está cheio de ricos, e não são europeus não. São Ricos locais. Os políticos imagino que façam parte desse grupo, afinal todos sabem que a propria primeira dama é uma das grandes empresárias do país (Dona de um Spa Day na beira da baia da capital). Tambem fazem parte dos ricos os ¨tais mestiços¨, tipos muito parecidos com os brasileiros do nordeste (fenotipicamente), mais claros no tom da pele, em geral gordos ou mais encorpados (obviamente esses tem comida na mesa todos os dias). Tais que tiveram oportunidade de estudar, enquanto a grande maioria só está tendo essa oportunidade agora, ou ainda terá daqui uma ou duas gerações. Estes ricos são espalhafatosos, mostram o que têm e o poder que detém. Roupas brilhantes, relógios, jóias, óculos de sol, dentes de ouro, cabelos postiços nas mulheres, carros possantes, vermelhos e negros com detalhes dourados e musica a toda com muitos decibeis. Os trabalhadores comuns, guardas, motoristas, vendedores, policiais, pedintes, ..., tem a pele mais preta, imagino que por ficarem inevitavelmente mais no sol tambem.
No início me perguntava como podia ter tanto rico? Da onde que sai a grana? O que fazem ou o que fizeram? Aos poucos fui aprendendo que uma das atividades mais lucrativas daqui é a financeira. Esse ramo de negócios que na verdade a gente não entende direito, pelo menos eu não, porque não se trata de um produto que se vende ou que se compra ou se importa, mas tratam-se de ações. Só pra ter uma idéia a poupança daqui rende cerca de 16% ao mês. Dado tanto crescimento, o país está cheio de novas estradas, pontes, construções, hotéis, shoppings, condomínios, ONGS e mais ONGS e, sobretudo, lixo. É o progresso, que vem com os negócios, com os bancos e os empreendedores locais. São os grandes feitos que se denominam investimentos públicos e privados. Me parece que é o que mais tem aqui em Luanda, os investimentos. Eu vejo todos os dias executivos e empresários e negociantes no bar do hotel, no restaurante, no supermercado, a falar e investimentos. Há empresas que rendem bilhões por ano de lucro, é o Capitalismo Selvagem! Os investimentos enriquecem uns, melhoram as condições estruturais do país, e espera-se que um dia cheguem a auxiliar verdadeiramente, não só no discurso, as grandes massas pobres da nação.
A respeito dos novos ricos africanos, encontrei uma texto do MIA COUTO, escritor moçambicano, que diz que são ricos pobres, pois não tem riquesa alguma, são apenas endinheirados.  
Aqui vão uns trechos e quem quiser ler o texto na integra CLIQUE AQUI
...

" O maior sonho dos nossos novos-ricos é, afinal, muito pequenito: um carro de luxo, umas efémeras cintilâncias. Mas a luxuosa viatura não pode sonhar muito, sacudida pelos buracos das avenidas. O Mercedes e o BMW não podem fazer inteiro uso dos seus brilhos, ocupados que estão em se esquivar entre chapas muito convexos e estradas muito côncavas. A existência de estradas boas dependeria de outro tipo de riqueza Uma riqueza que servisse a cidade. E a riqueza dos nossos novos-ricos nasceu de um movimento contrário: do empobrecimento da cidade e da sociedade" ...


segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Luanda, mais um assalto

2.700 kuanzas custa uma caixinha de tintura para cabelo Imédia da Loreal. Em reais mais ou menos 80,00. Ja era hora, assumi meus fios brancos.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Funj na Açucareira_Caxito_Bengo




Funj ou fungi? já vi pela internet dos dois jeitos. Hoje comi essa deliciosa especialidade angolana. Me disseram que tambem tem no Congo, deve ter mesmo, porque é uma delícia. Parece uma polenta molezinha, daquelas que eu ganhava de minha mãe quando era criança.Parecido com a base do pirão, se esse fosse cozido sem o peixe. Esse era de mandioca, há tambem o de milho. Junto com o creme delicioso serviram um pequeno molho de tomate e folhas de mandioca refogada. Uma comida suave de sabor, leve e sem o absurdo de gordura da comida globalizada que como sempre e com toques sutís ao paladar. Junto do prato, que para mim já estaria completo, também serviram um peixe carapau (tipo de peixe marinho) grelhado. Muito saboroso. O restaurante simples e o preço justo. Justo se usar como referência a cidade mais cara do mundo. Fica na capital de Bengo, Caxito, e é um lugar singelo e acolhedor. Na saída o proprietário agradável, tambem fomos os únicos a comer no local naquele horário, nos pergunta de onde somos, Eu digo que do Brasil e ele abre um soriso de dentes ralos e expressa com o A bastante tônico e o L pronunciado forte no final da frase: _Ah! do Brazil! _ e continua, com o mesmo L saliente no final_ Os angolanos gostam muito do Brazil, é um povo alegre! Eu respondo que sim, que os brasileiros também gostam dos angolanos (o que na verdade não tenho certeza, eu mesmo vivo a criticar um bocado), falo da televisão brasileira que passa aqui e das novelas para tentar mostrar a parceria. Ele olha para a TV grande no canto do salão e se desculpa. _ Hoje estamos sem luz. Eu falei que não precisava TV, que a comida tava boa, que nós brasileiros nem gostávamos tanto de TV (essa sim mentira deslavada, quem não gosta de TV no Brasil, eu e um pequeno grupo que não suporta novelas). Ele deu o troco, bem certinho sem se enganar com 100 kuanzas como é comum pelos estabelecimentos na capital, e agradeceu com soriso que a cada vez crescia mais. Pediu desculpas e disse _ A mulher aqui gosta das novelas, gosta bastante das novelas do Brasil. 
O nome do restaurante é pertinho da sede do governo do Bengo, num vilarejo que se chama Açucareira, pois ali tinha produção de cana e uma fábrica de açucar, antes da guerra. Agora resta os escombros e a chaminé da antiga fábrica de açúcar.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Um Roque santeiro e algumas impressões




7 de agosto


No dia 7 de agosto, há 3 dias em Angola, erramos uma rua, numa rotunda (rótula) e fomos parar numa rua que cruza o meio de um musseque, ou um bairro mais pobre, eu não sei diferenciar ainda. Musseque são as favelas daqui, uma palavra Africana imagino que tambem de origem bantu, provavelmente kumbundu (vou tentar descobrir a origem e depois conto certinho). Essas são uns aglomerados de casebres no meio de um grande depósito de lixo e esgoto. Os casebres em geral são feitos de tijolo, que aqui chamam de blocos, de barro do próprio local das casas ou de tijolos de cimento, que também são da cor da terra, meio cinza amarronzado. As casas são cobertas de zinco que também é dessa cor e no final acho que a pigmentação se uniformiza pelo pelo pó e pelo cacimbo. A rua estava super engarrafada, carros motos, pessoas, uma bagunça, uma confusão. Fechamos as portas do carro e passamos. De um lado da rua, no meio da musseque funcionava um grande mercado publico, não dava pra ver direito, mas parecia ter muitas barracas vendendo tudo e tambem estava superpovoado. Esse mercado é como uma feira popular que aqui tem um nome bem brasileiro: Roque Santeiro, uma espécie de mercado publico ao ar livre. Apesar do caos e do lixo e da pobreza escrachada aos nossos olhos, mais nos meus porque os de meu companheiro estavam bastante ocupado tentando dirigir o veículo, não tivemos sensação de insegurança. Fiquei imaginando que se estivesse perdida num lugar assim no Rio de Janeiro ou em São Paulo estaria mijada de medo. As pessoas pareciam muito calmas e muito tranquilhas, não tinha gritaria típicas de mercados e os policiais não pareciam agressivos, nem incitavam medo. Obviamente alguns vendedores nos assediaram para vender pela janela do carro, com carinha de pedintes. Isso me tocou bastante. _Mas já descobri que fazem isso por profissão, carinha de coitados mortos de fome, não que não sejam, eu não sei da fome alheia, cheios de vida é que não eram e provavelmente não tinham que fazer muito esforço para parecerem coitadinhos_ A sensação que tenho é que tento criar a ilusão de distanciamento mas no fundo não tem como não ficar tocada. Sei que to aqui como uma rica, porque tenho comida nas 3 refeições, tenho carro, tenho banho e água, tenho como ir embora em qualquer situação, mas por vezes não consigo deixar de pensar como é dura a vida das pessoas. Todo esse lixo, essa pobreza, a falta d'água. Também sei que pra quem vive isso todos os dias a vida nem parece desumana, porque é o normal, porque já foi pior. Somos nós estrangeiros que sabemos as condições insalubres e inadequadas que vivem (se bem que no Brasil tem lugar assim também, mas não é e nunca foi a minha realidade apesar de eu não ser rica). Contudo acho que o povo já percebe o quanto sofre e o quanto é difícil sua vida. Primeiro porque o país já tem ricos endinheirados, angolanos e estrangeiros o suficiente para que essa gente toda saiba o quanto é pobre. Segundo, porque mesmo que a vida já tenha sido pior (quando havia a guerra e ninguem tinha nada, quando todos eram pobres, quando não havia nada) eles ainda não são felizes. Não parecem agressivos, não transmitem expressões de serem violentos, mas não são alegres e felizes, são tensos. Tem expressões tensas, mesmo as crianças já tem expressões de adultos preocupados. Fora de Luanda as pessoas não parecem tão tensas, isso é preciso ser dito, ainda assim não tive experiências com pessoas felizes a fazer festa, a dançar, a sorrir, como em algum momento eu imaginei antes de vir. Vi alegria num grupo de crianças numa pequena aldeia uma vez pelo interior, mas na cidade nunca.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Um prato de comida e uma fruta podre





MABOQUE
Da comida ainda não tenho muito o que dizer. Estou aqui há um mês e uns dias, num hotel numa grande capital. Me alimento do que poderia comer em qualquer grande capital do mundo, não cheguei a conhecer realmente as comidas típicas locais. Eu como nos restaurantes que servem comida para estrangeiros. Locais que conseguem ser limpos e absurdamente caros (exageradamente caros, mas sobre isso pretendo escrever mais tarde noutro post). Particularmente, eu acho tudo muito gorduroso, ainda não encontrei um lugar mais light, mais natural. Do que sinto falta é das minhas comidas naturebas e também de arroz, de feijão não porque não gosto, mas também não tem feijão. O acompanhamento principal aqui é batata, fritas ou cozidas com muita manteiga. Os peixes são muito bons e as carnes não como, já não comia no Brasil. _ Se eu fosse fazer um paralelo daqui com o Brasil faria com Salvador, pelo ¨peso¨ (gordura) dos pratos, pelo ritmo das coisas e pelo assédio constante aos ¨turistas¨, que aqui não são turistas mas estrangeiros a ganhar a vida (ou mais que a vida: dinheiro)_ . 

Ainda não encontrei um lugarzinho bom e barato de comida local, talvez não exista. Sei que alguns pratos típicos são feitos a base de mandioca, outros de milho. Tem um tal de funj que é uma espécie de grude de mandioca ou milho que é servido com molho e alguma carne ou peixe. Eu não tive oportunidade de provar, dizem que é bom. Na capital, ao que me parece, muito dos costumes se perderam, já está tudo globalizado, sanduíche, hamburger, batata frita e espetinho. Espetinho tem muito nas ruas quando cai a noite. De manhã tem o mata-bicho. Não tenho certeza o que é o tal mata-bicho, ao que parece é o nome que dão para a primeira refeição do dia, o que chamamos de café da manhã no Brasil e em Portugal de Pequeno Almoço.

Esse mataria a primeira fome do dia e se refere sempre a um lanche, sanduíche por exemplo, que pode ser comprado de vendedores ambulantes na rua, ou em pequenas lanchonetes que aqui, como em Portugal, chamam de pastelarias. Também vejo as pessoas a comer marmitas, as tais quentinhas, que uns meninos ou mulheres carregarem em grandes recipientes plásticos sobre a cabeça e parecem passar entregando nas empresas aos funcionários. Deste prato se alimentam os que têm trabalho, os guardas e funcionários das construções que sentam na calçada e comem ali mesmo, num sítio à sombra, próximo da construção, próximo ao edifício. Também comem os limpadores de sapatos e as vendedoras de rua, profissões bem comum por aqui, dado a quantidade de pó que se prende aos calçados e a falta de lojas com preços acessíveis para vender coisas básicas, assim como a falta de emprego que aumenta a quantidade do trabalho informal. Os trabalhadores informais também são os que vendem o mata-bicho e também vendem outras tantas coisas de comer, como rapaduras, amendoim, milho verde cozido, prego no pão (um tipo de bife no pão), ovos cozidos, mandioca crua (por deus não sei como há gente que come isso) e principalmente frutas. Bananas, abacates, papaias, abacaxis (que aqui chamam ananás) maçãs, tangerinas, morangos, mangas, e outras tantas nativas que já não sei o nome. Uma delas é o kiwano (kino), ainda não comi, parece um melão com espinhos, mas dentro lembra o maracujá e dizem que é cítrica. Tem outra bem parecida com esta que se chama Sape-Sape. 

Outra, que comprei ontem, mas fui enganada, estava podre, (Que me perdoem pelos julgamentos, mas não podem ver um estrangeiro que tem que dar o golpe) que se chamava MABOQUE e também é uma fruta cítrica. A casca é dura e é necessário quebrá-la para chegar ao interior, que parece um cérebro, depois mexendo nessa massa separam-se grãos envoltos por polpa que parecem uma fruta do conde (pinha, arriticum), com a casca grossa como de um romã, mas solta da polpa. O gosto... já disse, tava podre. Tem um site que encontrei que fala das frutas de angola se quiserem conferir. http://angola.linda.googlepages.com/frutasdeangola





Visita a Ilha do Dr. Moreau





6 de agosto


Há 3 dias em Luanda fomos ao hospital, conveniado à empresa que nos recebe, para os procedimentos padrão de recém chegados. O médico, um estrangeiro, branco, delgado e alto com gestos e expressão sérios. Nos deu pílulas. Eu andava um pouco chocada com tudo, sem contar o cansaço de recém ter chegado, e então era chegado o momento da trágica noticia sobre os perigos que nos aguardavam ao viver na África. Mecanismo de defesas acionados, fiquei desenvolvendo imaginações literárias. Se não fosse bem magro, o tal médico até poderia lembrar o próprio Marlon Brando na pele do Dr Moreau no filme ¨A ilha do Dr. Moreau¨ inspirado na obra do Wells. Ou poderia ser o próprio Wells numa foto que vi numa enciclopédia na biblioteca uma vez, careca, alto, barrigudo, estava de perfil, só lhe faltava a barriga. Imaginem, poderia estar nos testando remédios para nos modificar os genes. As pílulas, disse-nos ele que eram para malaria, para prevenir até que o próprio corpo começasse a ser picado por mosquitos africanos, mais selvagens que os brasileiros, e criasse as suas resistências. Contudo, a malária tem 4 ou 5 tipos diferentes e um deles não se tem certeza se se consegue cura mesmo com os medicamentos existentes no mercado. Tomaremos as tais pílulas de DOXYPALU, por no máximo um ano, já que é antibiótico forte, porque se formos picados e contaminados por umas dessas formas mais simples de malária já estaremos sendo medicados. Trata-se de um procedimento considerado padrão para os estrangeiros, já que somos mais vulneráveis às enfermidades que nossos corpos não conhecem, além do mais temos imunodeficiências próprias de recém chegados que acabam nos deixando mais vulneráveis ainda. A indicação é que tomemos por no mínimo 3 meses e no máximo 1 ano. No final nossos genes já estarão a nos modificar de formas humanas para outros seres. Se tivermos febre devemos correr pro hospital, pois se detectada cedo, a malária pode ser curada. Se chegarmos a nos transformar em mosquitos, pela mutação genética, então a malaria já não nos afetará, e o melhor é que poderemos voar, assim nos livramos do trânsito e do engarrafamento, das calçadas sujas e destruídas, dos motoqueiros intimidadores e já não precisaremos mais comer, poderemos viver de sangue, sangue humano. Pena que só as fêmeas, já que só os mosquitos fêmea é que picam e transmitem o protozoário da malária, os mosquitos macho acho que ficam em casa, no lago, cuidando das larvinhas de mosquitinhos. Ouvimos atentíssimos as instruções do Dr. e quando chegamos em casa começamos a tomar as bolinhas. Depois de um mês tomando o medicamento já decidimos parar. Quase por uma questão de sobrevivência. Não sei que outro animal eu estaria me tornando, talvez um mosquito mesmo, com certeza era um ser sem flora intestinal e com estomago bastante ácido. No dia da consulta tambem foi nos receitado mosquiteiros e um produto para passar neles que espanta e mata os mosquitos da malária e tambem repelentes. Os repelentes são com quinino, uma substância especial que espanta os mosquitos de malária, ou melhor, as mosquitas já que são meninas. QUININO é a mesma substância que tem na água tônica. 


_ Inclusive aqui em Angola tem uma água tônica nacional que é bem gostosa, menos doce que a shueps, se chama welwitschia. Só tem nos mercadinhos, na rua, e nos estabelecimentos comerciais menos ¨chiques¨, nos hotéis e restaurantes mais top top só shueps. Fico a pensar se pode ser ainda falta de nacionalidade. Ou não (como diria o ministro Gilberto Gil) porque tem até comercial de welwitschia cujo slogam diz ¨essa água tônica é nossa¨. Talvez seja a escolha dos clientes ¨chiques¨ que recusem a nossa água tônica, eu adorei. Welwitschia é uma planta que só existe no deserto da Namíbia e no sul de Angola, já que os dois países fazem divisa, e é considerada (segundo a wikipédia) um fóssil vivo, porque há plantas dela que vivem desde 1000 ou 2000 anos. Está ameaçada de extinção, mas aqui em Angola menos por causa do perigo das minas que faz com que as pessoas não andem muito por zonas desabitadas. Suas folhas são enormes, pordem chegar a mais de 2 metros de comprimento e seu nome é homenagem ao Dr.friedrich Welwitsch que viveu em Angola e descobriu a planta em 1860. O refrigerante foi lançado em Angola em 2006 por uma multinacional portuguesa, Refriangro, que está instalada aqui e claro que não é feito da planta rara, mas faz muita gente pensar que sim_


Ademais a malária o Dr. nos falou das serpentes e eu lá pensando no pequeno príncipe, e sabendo que no Brasil também tem serpente hora bolas é só não ir mexer com elas. E será que vivem serpentes nas welwitschias? Se o pequeno príncipe tivesse conhecido a welwitschia ao invés dos baobás... a história seria diferente. Ao fundo a ladainha do médico de que devemos lavar as mãos, lavar as frutas, as verduras, lavar lavar lavar... O pequeno príncipe afasta a cadeira para ver mais uma vez o por do sol, não consegue, o cacimbo não deixa, afasta mais um pouco, outra vez, outra vez mais, ainda não consegue. O planeta está coberto pelos braços de uma planta fóssil com nome esquisito que o menino ainda não consegue pronunciar. O carneiro está preso na caixa para não comer a planta, coitado. Para não comer o lixo, para não sujar as mãos... precisamos lavar o carneiro, será que tem água no planetinha do menino? O doutor diz que só podemos tomar água mineral, isso já sabíamos, todos sabem, afinal estamos na África, e aprendemos também que como aqui tem surtos de raiva, devemos fugir dos animais até mesmo os domésticos. Ufa! Na caixa o carneiro não irá pegar raiva. O carneiro já foi gente, tomou DOXYPALU, mas não deu certo, virou carneiro e não mosquito, então foi mandado de avião para ser abandonado no deserto, o avião caiu e o aviador deu ele ao pequeno príncipe dentro de uma caixa com furinhos para o bicho respirar. 


Na saída posto médico eu sabia que o Dr. tinha exagerado, eu sabia que não tinha compreendido tudo porque fiquei viajando, só não sabia o quanto era exagerol. Nesse dia pensei que não aguentaria. Pensei que tinha vindo pra Angola para morrer, a menos que decidisse voltar e logo. Agora já consigo estar mais relaxada, sempre que só como frutas sem casca e legumes só se tiver certeza de que bem lavados e com desinfetante. Lavo constantemente as mãos, uso repelente e muito protetor solar. Tomo agua mineral e Welwitschia e nao tomo pílulas para não virar mosquita.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Primeiras impressões da capital



4 a 6 de agosto
Do aeroporto até o Hotel o que vimos foi uma paisagem urbana africana. Um poeirão e gente, gente, gente, e um trânsito impressionante. Demoramos mais ou menos umas 2 horas para chegar ao hotel e não me parece que seja muito longe. Na verdade a parte que fica longe vai rápido; mas na cidade anda-se 1 quadra a cada meia hora. Muitos, muitos carros. Impressionantemente, todos 4por 4. A cidade parece enorme, mas tem um pequeno centro, onde ao que me pareceu se poderia fazer tudo a pé (Mais tarde irei perceber que realmente se pode fazer muito a pé e que as coisas não são tão longe, só não há muita estrutura para pedestres ainda). Não sei porque exatamente todos usam carros, a maioria 4X4 e pic up, carros enormes. Imagino que por algum fetiche com carro, tambem porque as estradas no interior do país são péssimas e provavelmente, o que acontece em todos os lugares do mundo, as revendedoras se instalam aqui em busca dos euros e dos petrodólares, inserem um Marketing desgraçado, ajudam na segregação da população, afinal as pessoas se medem pelo carro que tem e nós sabemos que no Brasil é assim também, e noutros lugares do mundo também _a finalidade é só uma: LUCRO, escondido atrás de palavras mais bonitinhas, como Progresso_ A cidade tem 4 milhões de habitantes e as ruas quase não tem semáforo, muito menos faixa de pedestre. Não tem ônibus urbano e nem projeto de metrô. Tudo que existe ainda é da época dos portugueses, ou seja 1975, apesar de que tudo está em obras, o que eles chamam de reconstrução do país. A impressão que dá é que daqui uns 5 anos isso será bem melhor, e em 10 anos pode ser ótimo. A cidade está cheia de novos arranha-céus e construções que me parecem se alastrar desordenadamente. Já ouvi falar que logo haverá ônibus. Por enquanto o que é muito comum são uns taxis coletivos azuis que levam todo mundo aos locais que precisam. Todo mundo e tudo, gente com botijão de gás, com sacos enormes de coisas que trazem pra vender no centro da cidade, coisas que levam pra casa nos bairros, gente com mantimentos para as cidades vizinhas, e assim por diante. Não sei direito como funciona, só sei que não é novo, não é limpo (e nem teria como ser com a falta d'água) tem música alta, hep ou um tipo de sertanejo meio evangélico que rola muito por aqui. Eu nunca usei um desses por isso não posso falar mais. O que sei é que é caro para a população local que trabalha e o utiliza como meio de transporte para chegar ao trabalho, ao menos é o que todos os trabalhadores aos quais perguntei me disseram. Sobre as construções, a emissão de poluentes pelos carros, o lixo, o esgoto, imagino que não deva ter muito planejamento ecológico, talvez para o futuro criem. Por enquanto as ruas ficam lamacentas de água e cimento e poeira e sujeira e óleo, e restos de construção, e ... . A minha impressão pessoal, talvez a mais pessoal desde agora dita, é que vão transformar esse lugar numa selva de pedras, como um São Paulo da vida, cimento e carros, com a diferença que tem o mar perto. Mar este que por enquanto está com bastante esgoto e lixo diga-se de passagem. A existência do porto em pleno meio urbano e a efervescência comercial dele, com o constante atracamento de novos navios piora o estado das águas. A baia é um fedor impressionante e mesmo do outro lado, na península onde tem praia e mar aberto, que chamam de ilha e está cheio de restaurante e casas de shows carrésimas e se é onde se pode ir à praia, não é muito mais limpo, obviamente não tem fedor e o mar parece limpo, mas tem lixo na praia de qualquer forma. O importante a gente já sabe o que é né , tutu, bufunfa, ou cúmbu para usar a gíria local. Àqueles que se aventuram a andar pelas ruas, até porque não é possível ir do carro até a porta de todos os sítios (como falam aqui em bom e tradicional português), tem que saltar poças, pedras, merdas, lixo. Para atravessar a rua a gente põe a mão indicando que vai atravessar e atravessa no meio dos caros mesmo. No início eu tinha medo, mas agora já sei que o engarrafamento é tanto que tudo bem, não vão me atropelar. Das motos é preciso ter mais cuidado, inclusive nas calçadas. Os jovens motoqueiros andam muito livremente pelas calçadas e são agressivos com o barulho de suas máquinas, especialmente ao exibir suas manobras. Vez por outra conseguem ser intimidadores com estrangeiros caminhantes por conta de uma xenofobia que aos poucos nos vai sendo possível conhecer. Nos finais de semana aproveitam da diminuição do tráfego para utilizar as ruas e exibir suas máquinas e seus potenciais acrobáticos, especialmente à beira mar e nas ruas da ilha, que beiram a praia. A maioria anda sem capacete, o que não parece ser obrigatório ainda por aqui, pois há bastante policiais nas vias e não os vejo pararem os jovens. A relação álcool-motocicleta tambem parece não ter muito controle ainda. As notícias de jornais apontam acidentes com motocicletas, não sei se são bastante ou poucos, não consigo calcular proporções, ao menos a mim eles parecem sempre suicidas. De carro já considero bem complicado o trafego, para quem conduz de moto é sempre uma aventura. Na marginal, uma espécie de orla que tem na beira da baia, tem uma calçada e é o único lugar onde parece ser possível andar tranquilamente a pé, apesar do odor, até em dias de pouco calor. Contudo não é em todas as partes que pode-se caminhar, pois estão fazendo um aterro, tipo aterro do Flamengo no Rio de Janeiro, o que provavelmente irá auxiliar na diminuição do problema do engarrafamento e revitalizará o local. Por enquanto o que há são umas partes da calçada bastante quebradas porque ali passaram máquinas, uns painéis (tipo outdoor) anunciando o futuro grande feito e um monte de areia depositado na beira da rua com máquinas espalhando essa areia durante o dia e levantando mais pó ainda.



sábado, 19 de setembro de 2009

Um fenômeno climático chamado Cacimbo



4 de agosto

Cacimbo_ palavra africana de origem umbundo, que segundo os nativos angolanos significa frio. Percebi que na verdade muitos não sabem direito o que quer dizer tal palavra, pois perguntei e ninguem soube me dizer ao certo. O umbundo é falado em Benguela e não aqui. Benguela é uma província angolana mais ao sul e antigamente a partir dali era outro país_ Basicamente o cacimbo é uma grande umidade na atmosfera que caracteriza o inverno da parte sul da África. Essa umidade é uma espécie de névoa que cobre tudo, mas uma névoa que não é branca e sim cinza, meio marrom cor de poeira na parte urbana e cinza azulada no horizonte perto do mar. Isso traz um pouco de frio (entenda-se frio africano equatorial em média 20, 22, 23 graus) e um frescor que caracteriza o inverno daqui. A sensação é que tá nublado e que vai chover daqui 5 minutos, mas não chove e já faz 3 meses que está assim e ficará por mais alguns até que chegue o escaldante verão e a estação das chuvas. O cacimbo junta-se à poeira que sobre e que toma tudo_impressionante_ tudo é empoeirado, marrom, só tem colorido nas roupas das pessoas que “ parecem não ter medo das cores”. O cacimbo também nos impede de ver o fenômeno que esperávamos ver logo no primeiro dia: o pôr do sol no oceano. Não dá para ver o encontro do sol com a água porque há uma faixa de umidade entre o mar e o céu no horizonte que faz com que o sol suma das vistas antes que chegue na água. Não pude ver o encontro ainda, mas o que dá pra ver é bastante bonito mesmo assim. Como fica encoberto por essa umidade, antes de sumir nela, o sol aparece no céu como uma enorme bola alaranjada. Quase como uma lua diurna cheia e vermelha, cuja luz reflete na água como num grande espelho. Bem nostálgico, bem interessante, espetacular, bonito mesmo.





Prólogo (leia antes de explorar o blog)



Aterrissei em Luanda, capital da Angola no dia 4 de agosto de 2009. Cheguei cedinho e para ficar por um ano, talvez mais. Não vim com trabalho arranjado como fazem muitos, estou com meu companheiro que pra cá foi recrutado. Pisei firme a primeira vez na terra mãe África nesse país jovem chamado Angola, que com o Brasil traz a irmandade da língua e de alguns costumes herdados dos colonizadores e outros incorporados nos porões dos navios negreiros que cruzaram o oceano e, depois, nas senzalas e nos terreiros festivos e alegres. Cheguei com os olhos atentos e os ouvidos alerta, empolgada com a nova terra, a nova vida e as novas experiências . Logo que fui sentindo e vivenciando meus primeiros dias na capital do país quis escrever, mas não conseguia. Absolutamente não sabia o que dizer. Era como se os olhos e os demais sentidos não conseguissem sintetizar em fala o que eu vivia. O que me silenciava era o mesmo impulso que me fazia quase perder o ar de tanta vontade de gritar. Gritar para que todos pudessem sentir o cheiro das ruas, as cores das roupas, a voz das pessoas, o canto das vendedoras ambulantes de peixe, o amontoado de carros, as filas, o pó das construções, a desumanidade da pobreza, a excentricidade dos ricos, a separação dos estrangeiros, a quantidade de lixo, a escassez da água, a grandiosidade dos baobás, ...
A tentativa incessante de compreender porquê se faz uma guerra e o que acontece quando se sai dela me tornavam mais curiosa com a vida e com o país, comecei ler sobre tudo, mas absolutamente não me saía uma frase escrita. Gostaria de poder dizer o calor que tem o sol coberto pelo cacimbo; de descrever a cara das pessoas para que pudessem me ajudar a entender esse povo; de repetir algumas frases incompreensíveis no meu português brasileiro para que pudéssemos procurar os significado; de dizer a tranquilidade das crianças dormindo pelas calçadas amarradas nas mães em panos coloridos rodeadas pelas moscas; de cantar as músicas ritmadas dançantes, cujas letras pouco criativas giram sempre em torno do mesmo tema: relações amorosas heterossexuais. Gostaria de poder levar um pouquinho do tudo Angola pros meus amigos e queria poder trazê-los para esse meu novo mundo. Agora tento, sei que é parcial, que é subjetivo o que ofereço, mas já não consigo deixar de compartilhar.
Meu olhar é de cacimbo foi pensado justamente para que tudo que digo aqui não seja entendido como a verdade sobre Angola, ou sobre outra nação, região geográfica do mundo ou idéias que eu venha falar, mas para ficar claro que são impressões de quem olha por um prisma. A lente de cacimbo me pareceu ser uma metáfora adequada,já que a palavra cacimbo, de origem nas línguas africanas e tipicamente uma palavra conhecida em Angola, representa o ar frio e a neblina que encobre o céu (e o sol) nos meses de junho a setembro no país.
Espero que minhas experiências e meu olhar possam ser motivo de diálogo entre meus amigos e eu, mas tambem entre todos que conhecem ou querem conhecer Angola.