OLHAR DE CACIMBO



... porque nenhuma visão é neutra, porque o turvo precisa ser dito, ainda que maldito, antes que se perca em escuridão.










sexta-feira, 3 de junho de 2011

NOITES QUENTES EM AÇUCAREIRA - CAXITO


NA AÇUCAREIRA, antiga fazenda Tentativa, morei 6 meses de verão: de janeiro de 2009 a julho de 2010.

O meses anteriores, eram de cacimbo: clima com um frescor pela manhá e chegava a fazer um friozinho de noite. O sol passava todo o tempo escondido atrás da nuvenzona cinza do cacimbo.

No verão, o calor chegava forte. Ar condicionado e/ou ventuinha (ventilador) na casa, sombrinha, chapéu e óculos de sol eram quase mais importantes do que roupa naquela situação. E em geral a roupa social era algo necesário.

A partir das 9h da manhã já se viam pessoas aglomeradas debaixo das grandes sombras dos Imbundeiros, o mesmo faziam os cachorros, os porcos e as cabras. A areia amarela do chão refletia tçao fortemente a luz do sol que pra mim era difícil abrir os olhos, tamanha era a luz.

Também era por volta das 9h que algumas mulheres (as mamás) se juntavam nalguma cantina (pequeno mercado de bairro) pra tomar uma "celveja" (cerveja), como costumavam pronunciar por aqui. Depois de terem acordado as 5h da manhã e ido ao Rio Dande buscar água com aquelas enormes banheiras (bacias) na cabeça, vinham tomar sua cuca ou nocal, o mais gelada que fosse possivel encontrar.

A água elas deixavam em casa a repousar para que a terra se aculesse no fundo do recipiente e só umas 2 ou 3 horas depois poderiam utilizá-la.

Nos períodos de pouca chuva, assim como no cacimbo, estas costumavam queixar-se, com a pronucia do A bem aberto: "a água tá é muito cheia de láma (barro)".

Nos dias que havia algum óbito (velório), o que era pelo menos um por semana, a rotina era a mesma, mas por volta das 3h da tarde o calor não impedia que uma procissão de caminhonetas, cheias de gente na carroceria,  modificassem aquela paisagem poeirenta e de exessivo calor, imprimindo no vácuo silêncio úmido dos ouvidos as palmas ritmadas e um canto alegre e agudo de mulheres. 

O ritual, para meus olhos, acontecia na ida ao cemitério e na volta dele, já mais no final da tarde.

Era quando chegava um ventinho lá da direção de Barra do Dande, do mar, e quando não vinha a cidade ganhava a texturade SAUNA também pela noite.

No decorrer das muitas faltas de enregia, o que já era sabido é que a noite seria terrível. Não se podia dormir com as janelas abertas, pois isso significava picadas de mosquitos de malária com certeza.

Eram noites de quase-psicodelia, pois os efeitos da umidade e do calor sobre pés e pernas geravam aquela sensação de que eles são enormes, como pés de gigantes. Outras vezes eles sumiam do corpo, como se não tivéssemos membros, até chagarem as formigas e a dor nas veias dilatadas. Muitas vezes se fazia necessário levantar-se e jogar água fria pelo corpo.

Quando chovia batia aquele cheiro de África molhada e uma alegria de cão feliz que corre pelas poças d'agua. Logo vinha aquela tristeza, porque nos dias de chuva sempre falatava luz.