OLHAR DE CACIMBO



... porque nenhuma visão é neutra, porque o turvo precisa ser dito, ainda que maldito, antes que se perca em escuridão.










terça-feira, 27 de outubro de 2009

Detalhes de Angola e nós, seus atuais habitantes

Passados os piores dias de cacimbo, mesmo que minhas visualizações continuem e sempre continuarão parciais e turvas, há coisas que me vao sendo mais claras. Com a brincadeira do POST anterior, penso que consegui ilustrar algumas “figuras” luandenses. Entretanto gostaria de dizer palavras sobre minhas impressões das pessoas que aqui vivem e trabalham. Primeiro, há diferenças cruciais entre os postos de trabalhos dos estrangeiros e dos nativos, o que já era de se imaginar, pois o país está se restabelecendo e governo e empresas multinacionais ditam regras e comandam as atividades. Comandar não significa mandar. Quem manda são os angolanos mesmo, na voz do governo e dos poucos agraciados empresários e investidores aqui nascidos e fora formados, como é o caso da filha do presidente que é a expressão do poderio empresarial angolano e que não limita sua fortuna a Angola, tem parte em bancos em Portugal. Excetuando os pouquíssimos agraciados por oportunidades e certos “dons” para lidar com as finanças a maioria do povo angolano (da capital) vive de prestar serviços básicos e de vender tudo e qualquer coisa que alguém possa comprar. Nas cidades do interior e nas comunidades rurais sobrevivem da agricultura, de pouco comércio entre si, e da máquina do estado, responsável pela maioria dos empregos formais. O estado se mantém, majoritariamente, das parcerias com seus investidos internacionais sobretudo no setor do petróleo e de diamantes. Por outro lado investe recursos oriundos daí nas áreas de agricultura, infra-estrutura, tecnologia e desenvolvimento, que trarão mais progresso (e consequentemente mais cumbú=dinheiro) à nação. Tambem investe um bocadinho sim em educação, saúde, saneamento básico.... como em qualquer país em desenvolvimento.

Na área de exploração de petróleo quem extrai e desenvolve todas as tecnologias para encontrar e retirada do mineral são umas multinacionais (TOTTAL e outras) e quem refina e distribui pelo país é a estatal Sonangol. Todos os postos de abastecimento de combustível no país são do estado e o combustível é muito barato. _ encher o tanque de óleo num carro 4X4 custa uns 30,00 reais_ Contudo o abastecimento pelo país ainda não é muito eficaz. Na capital há poucos postos de abastecimento, se considerarmos o tamanho da cidade e a quantidade de carros, e sempre há que se fazer fila para abastecer os carros. O tempo médio que se fica na fila para abastecer é de 1 hora. No interior há locais que os postos ficam dias sem combustível, porque quando recebem acaba muito rapidamente e tambem porque como a maioria das estradas ainda está avariada (ou em reforma) e há muito engarrafamento, existe dificuldade para os caminhões tanque chegarem com o produto. O mercado paralelo da gasolina e do gasóleo (óleo) estabelece-se e salva quem precisa se locomover e tem o tanque vazio. Há pessoas que passam horas e horas em frente aos postos com galões (bidões) de 20 ou 30 litros a espera que o posto abra para comprarem óleo ou gasolina e depois revenderem. Nas regiões de fronteira, como por exemplo a fronteira sul com a Namíbia, onde o combustível é caro, há um eficiente tráfico a conta-gotas. Em contrapartida há um tráfico contrário, da Namíbia para Angola, de tudo o resto, já que  em Angola é sempre caro demais. Pelo que dizem, as polícias aduaneiras de ambos os países fazem vista grossa e ganham suas gasosas (nome dado ao suborno que recebem para tomar alguma bebida=gasosa), até porque sabem que estão a contribuir para que as pessoas da região possam continuar com suas vidas e que o mundo siga seu curso.

Com a reconstrução do país surgem milhares de novos postos de trabalho, especialmente nas construções das estradas, pontes, trilhos, hospitais, escolas...e inflama um novo vigor comercial devido ao pequeno poder aquisitivo que cada cidadão recupera ao ter um salário. A efervescência comercial se acentua ainda mais com a presença dos estrangeiros que além de terem maior poder aquisitivo, também usufruem dos serviços hoteleiros, imobiliários, aluguéis de carros, passagens aéreas, contratações de guias e motoristas e, inclusive, contratam pessoal para serviços “menos braçais”, como contabilistas, atendentes, auxiliares, secretárias.

É muito diferente a relação de cada grupo estrangeiro com o país. Como é de se imaginar, igual a qualquer país africano, há gente expatriada de todos os tipos a exercer inúmeras funções. Há muitas ONGS, há médicos, há professores, que vem para projetos e há os empresários que vem pura e somente pela grana. De um modo geral (de olhar de cacimbo) há uma diferença muito grande entre os estrangeiros que vivem na capital e os que vivem no interior. No interior costumam ser mais integrados à vida das cidades e das pessoas, até porque são reconhecidos por prestarem algum serviço e também porque trazem um certo progresso para o lugar. Na capital não são tão bem recebidos, pois são vistos como exploradores. Pessoas que vêm roubar os postos de trabalhos dos Angolanos (o que não é de todo mentira) e mesmo que usem serviços e gerem empregos, usufruem de uma gama de “privilégios” que deve gerar “revolta” aos nativos. que os servem e os obedecem. O pior é que a hostilidade acaba se tornando viciosa, pois nativos são hostis ,  estrangeiros retribuem, e assim segue o eterno bate e volta. Além disso, os estrangeiros que estão aqui estão para “ditar”, ou seja, para determinar regras, horários de trabalho, normas e esquemas que façam as coisa funcionar. Mesmo as Ongs ou os médicos e os professores, vêm dizer como comer, como cuidar do lixo, vêm ensinar. Todos vem com suas “verdades” de um “outro mundo” que funciona melhor. As novas gerações parecem mais abertas ao novo. _A facilidade que têm com as línguas lhes auxilia na comunicação e lhes dão oportunidades de emprego e crescimento, a maioria já nasce falando português e mais uma língua africana e inglês ou francês conforme a proximidade com as fronteiras sul ou norte._ Já as gerações mais antigas resistem mais às mudanças, apesar de terem tido desde muito a presença dos portugueses e depois dos cubanos e dos soviéticos no país, experiencias estas que em tudo parecem ter sido desagradáveis, pois lembram sobretudo da guerra. Agora, os extrangeiros ão de todos os cantos do mundo, inclusive muitos brasileiros, e tal como antes, em pareceira com o governo continuam a explorar, e também a gerar emprego, a trazer desenvolvimento enfim, modificar a essa terra e essa nação que há muito já não é a mesma.

É especial o caso dos chineses presentes em Angola. Há chineses por todos os cantos do país. Quase todas as placas tem inscrição em português e em caracteres chineses. Em geral estão aqui a fazer o mesmo que a maioria dos brasileiros, obras e construções, especialmente das estradas. Contudo, a parceria Angola-China não é com empresas, como é no caso do Brasil, mas com o governo Chinês. Por isso, há chineses engenheiros e peões de alto nível, a gerenciar obras, e há chineses fazendo serviços básicos ao lado dos angolanos recrutados para tais obras. Pelo que contam, nos acampamentos chineses do interior, que estão por toda parte do país, há chineses prisioneiros oriundos das cadeias chinesas que vêm à Angola prestar trabalhos para o estado chinês. Eles trocam dias de trabalho pela pena, mas não na China e sim em Angola. Se há presidiários mesmo, eu não sei, é o que dizem. Porem o que torna a presença dos chineses bastante especial e peculiar em relação aos outros expatriados é o grau de interação que conseguiram com o país e com as pessoas de Angola. Há chineses vivendo nos bairros pobres da capital e das cidades do interior. Há chineses casando com angolanas e tendo filhos negros-orientais (com certeza serão um novo tipo de mestiços, uma nova etnia local). Estão nas praias a comer espetinho de lula e tomar cerveja , estão nas feiras populares junto com os Angolanos. São um tipo de estrangeiros completamente adaptados e em interação com a população local.

Os brasileiros também são bastante adaptados e em geral bem recebidos, graças à TV brasileira  e as novelas que os angolanos adoram tanto quanto os brasileiros. Contudo não chegam aos pés dos chineses, os  brazucas que vivem na capital, em sua maioria (eu não me incluo nesses) vivem num lugar retirado do centro da cidade, em um bairro novo (Luanda Sul), sem lixo, sem, sem sujeira, sem prédios destruídos, sem pedintes, sem musseques, sem falta d'água ou luz, e com muitos guardas, muros e grades. Há ali um shopping, com supermercado, salão de beleza e umas duzias de lojas caríssimas e nada se parece com a África. Os trabalhos desses, ou são novas construções nesta região mesmo, ou são pontes e estradas e outras tantas edificações em outros pontos da capital onde passam apenas o dia ou no máximo algumas horas dele. No interior também há alguns brasileiros a viver e fazer outras coisa que não construção civil. Ainda na capital há brasileiros a viver no centro e trabalhar com informática, comércio, saúde, educação...estes interagem mais, na medida do possível.

Entre os angolanos há uma única diferenças étnicas que eu gostaria de enfatizar: Os emergentes são mestiços. Os mais negros ocupam funções básicas, transporte, segurança, limpeza, arrumação, obras, venda de produtos na rua, etc etc. Os menos negros (mestiços), ocupam cargos de secretárias, contabilistas, despachantes vendedores de lojas oficiais. A única exceção a tal regra me parece ser a categoria dos políticos. Esses são de todos os tipos, há inclusive políticos brancos descendentes de portugueses. Fora os políticos, os que ficam no sol todos os dias, os guardas, os policiais, as empregadas, os vendedores ambulantes, os viventes dos musseques são a maioria negro de várias etnias, porém sem qualquer clareamento na pele por qualquer mestiçagem. Os únicos brancos a viver nos musseques parecem ser  os albinos. Inclusive esta é uma peculiaridade genética bastante comum em angola. Há pelo menos uma criança albina em cada grupo de crianças que se visualiza a jogar futebol, ou nos grupos a ir para a escola. Imagino que devem sofrer com o sol, agora que o cacimbo está a passar, já se consegue perceber como é forte a claridade e o calor. 

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