OLHAR DE CACIMBO



... porque nenhuma visão é neutra, porque o turvo precisa ser dito, ainda que maldito, antes que se perca em escuridão.










domingo, 21 de fevereiro de 2010

Alfabetizaçao de adultos em Angola

Perto da minha nova morada tem um bairro popular. Muitas casinhas de adobe da mesma cor do chão, cobertas com zinco, e muitas crianças e mulheres que andam com bacias na cabeça.

Há ali uma antiga capela portuguesa, deteriorada pelo tempo, por alguns combates e pelo uso, pois no bairro não há quase nada, mas não falta fé.

É nessa capela que uma freira missionária dá aulas de alfabetizaçao para adultos. 3 vezes por semana, por volta das 4 da tarde, ela caminha sob o sol, cumprimentando todos que encontra pelo caminho com seus livros e lapis pronta para se tornar a professora.

A capela não tem bancos nem mesas. As pessoas sentam no chão ou em cadeiras plásticas que elas mesmas trazem e escrevem sobre umas tabuetas que a irmã empresta.  O quadro fica guardado na casa de uma das alunas e é pendurado e retirado da parede a cada aula.

Os alunos são mães com crianças à tiracolo que vêm aprender a ler e escrever e tambem aproveitam das brincadeiras que a irmã propõe no intervalo de cada atividade. Quando a brincadeira é cantada, essas mulheres projetam suas vozes para além das frestas da capela e se fazem ouvir no pátio.

No pátio ficam os filhos que já não precisam ser levados nos braços a brincar com outras crianças das redondezas. Destes, nem todos vão à escola e dos que vão muitos deles ainda não aprenderam a ler, ou distinguir as cores, ou sequer sabem seus nomes completos.

EU, encantada pelas criancinhas e impulsinada pela irmã, que muito humildemente me convidou a fazer alguma atividade com os infantes, comecei a dar-lhes "aulas".

Logo no primeiro dia (quando apenas lhes ofereci o desenho de uma flor para pintar) percebi que não podia fazer muito. São muitas crianças, tem idades e níveis escolares muito distintos, não há classes ou cadeiras, ou sequer tijolos para sentar e o sol na cabeça é muito forte. Uma das alunas da irmã, a Vó Verónica ofereceu a sombra de bamboo e palha do pequeno patior cercado se sua casa para as aulas o que ajudou, mesmo assim algumas crinças acabam ficando ao sol, pois a cobertura é pequenina.

O que resolvi então, e o faço agora, é ir uma vez por semana até lá contar histórinhas infantis, l por semana. A mais mostro-lhes algumas palavras, números, desenhos e fotos de animais e detalhes do que conto.

Primeira historinha foi OS 3 PORQUINHOS, já que aqui há tantos porcos, já que é um clássico dos contos infantis, já que assim aprendem os números e a contar até 3 ao menos.

Semana que vem será CHAPEUZINHO VERMELHO, já que há tanto sol, já que muitas usam lenços coloridos na cabeça, já que a maioria das crianças não sabe distinguir as cores.

O lobo das minhas histórias não é o LOBO MAU, é só um lobo, que tambem será conhecido a partir de livros de biologia na proxima aula. O lobo das minhas histórias só persegue porque tem fome, e tambem nunca morre, só foge assustado. A moral das minhas histórias é sempre a mesma: Pra ler essas historias através dos livros é preciso ir à escola.

Eu só espero que Angola tenha escolas pra todas essas crianças (afinal dinheiro não é problema, como sabemos, Angola é um país financeiramente privilegiado em África)

O MAIS IMPRESSIONANTE é que no meio da contaçao, percebi que não só as crianças de dentro do pátio tinham vindo ouvir, havia um senhor que mudou a cadeira pra mais perto da cerca pra ouvir tambem. Do outro lado, mais umas jovens tambem se aproximaram. 

4 comentários:

  1. Vi. Conta conta e conta história, estória, conta.
    E a tua, continua.

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  2. Nossa!!! estou arrepiada. Que trabalho lindo (gostaria muito de estar lá,também fazendo contação). O processo de ensinar primeiro precisa nascer no coração para depois partir para os lábios.Parabéns para vc e a irmã ,vcs estão polindo pérolas.A contação é para todas as idades. A contação é pura magia enfim e viver intensamente.

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  3. Pois é. E eu que nem sou muito boa em contação, nem pensava ser muito teatral. Mas as crianças sao incriveis e o novo se apresenta como um desafio empolgante, como voce diz, algo vem de dentro de toma os làbios. Obrigada pelas leitura e se voce pensa em vir à Africa venha. Parece que hà parceria entre Brasil e Porto Principe para alfabetizadores. Seguirei com as historias.

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  4. Gi querida, conto conto e conto, pode deixar, parece que foi o que me foi reservado.

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