7 de agosto
No dia 7 de agosto, há 3 dias em Angola, erramos uma rua, numa rotunda (rótula) e fomos parar numa rua que cruza o meio de um musseque, ou um bairro mais pobre, eu não sei diferenciar ainda. Musseque são as favelas daqui, uma palavra Africana imagino que tambem de origem bantu, provavelmente kumbundu (vou tentar descobrir a origem e depois conto certinho). Essas são uns aglomerados de casebres no meio de um grande depósito de lixo e esgoto. Os casebres em geral são feitos de tijolo, que aqui chamam de blocos, de barro do próprio local das casas ou de tijolos de cimento, que também são da cor da terra, meio cinza amarronzado. As casas são cobertas de zinco que também é dessa cor e no final acho que a pigmentação se uniformiza pelo pelo pó e pelo cacimbo. A rua estava super engarrafada, carros motos, pessoas, uma bagunça, uma confusão. Fechamos as portas do carro e passamos. De um lado da rua, no meio da musseque funcionava um grande mercado publico, não dava pra ver direito, mas parecia ter muitas barracas vendendo tudo e tambem estava superpovoado. Esse mercado é como uma feira popular que aqui tem um nome bem brasileiro: Roque Santeiro, uma espécie de mercado publico ao ar livre. Apesar do caos e do lixo e da pobreza escrachada aos nossos olhos, mais nos meus porque os de meu companheiro estavam bastante ocupado tentando dirigir o veículo, não tivemos sensação de insegurança. Fiquei imaginando que se estivesse perdida num lugar assim no Rio de Janeiro ou em São Paulo estaria mijada de medo. As pessoas pareciam muito calmas e muito tranquilhas, não tinha gritaria típicas de mercados e os policiais não pareciam agressivos, nem incitavam medo. Obviamente alguns vendedores nos assediaram para vender pela janela do carro, com carinha de pedintes. Isso me tocou bastante. _Mas já descobri que fazem isso por profissão, carinha de coitados mortos de fome, não que não sejam, eu não sei da fome alheia, cheios de vida é que não eram e provavelmente não tinham que fazer muito esforço para parecerem coitadinhos_ A sensação que tenho é que tento criar a ilusão de distanciamento mas no fundo não tem como não ficar tocada. Sei que to aqui como uma rica, porque tenho comida nas 3 refeições, tenho carro, tenho banho e água, tenho como ir embora em qualquer situação, mas por vezes não consigo deixar de pensar como é dura a vida das pessoas. Todo esse lixo, essa pobreza, a falta d'água. Também sei que pra quem vive isso todos os dias a vida nem parece desumana, porque é o normal, porque já foi pior. Somos nós estrangeiros que sabemos as condições insalubres e inadequadas que vivem (se bem que no Brasil tem lugar assim também, mas não é e nunca foi a minha realidade apesar de eu não ser rica). Contudo acho que o povo já percebe o quanto sofre e o quanto é difícil sua vida. Primeiro porque o país já tem ricos endinheirados, angolanos e estrangeiros o suficiente para que essa gente toda saiba o quanto é pobre. Segundo, porque mesmo que a vida já tenha sido pior (quando havia a guerra e ninguem tinha nada, quando todos eram pobres, quando não havia nada) eles ainda não são felizes. Não parecem agressivos, não transmitem expressões de serem violentos, mas não são alegres e felizes, são tensos. Tem expressões tensas, mesmo as crianças já tem expressões de adultos preocupados. Fora de Luanda as pessoas não parecem tão tensas, isso é preciso ser dito, ainda assim não tive experiências com pessoas felizes a fazer festa, a dançar, a sorrir, como em algum momento eu imaginei antes de vir. Vi alegria num grupo de crianças numa pequena aldeia uma vez pelo interior, mas na cidade nunca.
Ah sim, é esse o momento que encaramos os "monstros" da nossa dita "humanidade". Os pobres são um paradoxo com a mesma resposta: se nos importamos com eles, nos sentimos mal; se tentamos esquecê-los também nos sentimos mal.
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