OLHAR DE CACIMBO



... porque nenhuma visão é neutra, porque o turvo precisa ser dito, ainda que maldito, antes que se perca em escuridão.










quinta-feira, 29 de outubro de 2009

AngolaGate

Está em todos os jornais. É uma contradição, eu heim! No final das contas, ainda bem que há versões diferentes até pra história atual. Mas que é muito esquisito é. Os heróis de um país, foram ajudados por pessoas que são julgadas como criminosas, justamente por terem ajudado esses a se tornarem heróis. A guerra é um dos fenômenos mais intrigantes da espécie humana.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Detalhes de Angola e nós, seus atuais habitantes

Passados os piores dias de cacimbo, mesmo que minhas visualizações continuem e sempre continuarão parciais e turvas, há coisas que me vao sendo mais claras. Com a brincadeira do POST anterior, penso que consegui ilustrar algumas “figuras” luandenses. Entretanto gostaria de dizer palavras sobre minhas impressões das pessoas que aqui vivem e trabalham. Primeiro, há diferenças cruciais entre os postos de trabalhos dos estrangeiros e dos nativos, o que já era de se imaginar, pois o país está se restabelecendo e governo e empresas multinacionais ditam regras e comandam as atividades. Comandar não significa mandar. Quem manda são os angolanos mesmo, na voz do governo e dos poucos agraciados empresários e investidores aqui nascidos e fora formados, como é o caso da filha do presidente que é a expressão do poderio empresarial angolano e que não limita sua fortuna a Angola, tem parte em bancos em Portugal. Excetuando os pouquíssimos agraciados por oportunidades e certos “dons” para lidar com as finanças a maioria do povo angolano (da capital) vive de prestar serviços básicos e de vender tudo e qualquer coisa que alguém possa comprar. Nas cidades do interior e nas comunidades rurais sobrevivem da agricultura, de pouco comércio entre si, e da máquina do estado, responsável pela maioria dos empregos formais. O estado se mantém, majoritariamente, das parcerias com seus investidos internacionais sobretudo no setor do petróleo e de diamantes. Por outro lado investe recursos oriundos daí nas áreas de agricultura, infra-estrutura, tecnologia e desenvolvimento, que trarão mais progresso (e consequentemente mais cumbú=dinheiro) à nação. Tambem investe um bocadinho sim em educação, saúde, saneamento básico.... como em qualquer país em desenvolvimento.

Na área de exploração de petróleo quem extrai e desenvolve todas as tecnologias para encontrar e retirada do mineral são umas multinacionais (TOTTAL e outras) e quem refina e distribui pelo país é a estatal Sonangol. Todos os postos de abastecimento de combustível no país são do estado e o combustível é muito barato. _ encher o tanque de óleo num carro 4X4 custa uns 30,00 reais_ Contudo o abastecimento pelo país ainda não é muito eficaz. Na capital há poucos postos de abastecimento, se considerarmos o tamanho da cidade e a quantidade de carros, e sempre há que se fazer fila para abastecer os carros. O tempo médio que se fica na fila para abastecer é de 1 hora. No interior há locais que os postos ficam dias sem combustível, porque quando recebem acaba muito rapidamente e tambem porque como a maioria das estradas ainda está avariada (ou em reforma) e há muito engarrafamento, existe dificuldade para os caminhões tanque chegarem com o produto. O mercado paralelo da gasolina e do gasóleo (óleo) estabelece-se e salva quem precisa se locomover e tem o tanque vazio. Há pessoas que passam horas e horas em frente aos postos com galões (bidões) de 20 ou 30 litros a espera que o posto abra para comprarem óleo ou gasolina e depois revenderem. Nas regiões de fronteira, como por exemplo a fronteira sul com a Namíbia, onde o combustível é caro, há um eficiente tráfico a conta-gotas. Em contrapartida há um tráfico contrário, da Namíbia para Angola, de tudo o resto, já que  em Angola é sempre caro demais. Pelo que dizem, as polícias aduaneiras de ambos os países fazem vista grossa e ganham suas gasosas (nome dado ao suborno que recebem para tomar alguma bebida=gasosa), até porque sabem que estão a contribuir para que as pessoas da região possam continuar com suas vidas e que o mundo siga seu curso.

Com a reconstrução do país surgem milhares de novos postos de trabalho, especialmente nas construções das estradas, pontes, trilhos, hospitais, escolas...e inflama um novo vigor comercial devido ao pequeno poder aquisitivo que cada cidadão recupera ao ter um salário. A efervescência comercial se acentua ainda mais com a presença dos estrangeiros que além de terem maior poder aquisitivo, também usufruem dos serviços hoteleiros, imobiliários, aluguéis de carros, passagens aéreas, contratações de guias e motoristas e, inclusive, contratam pessoal para serviços “menos braçais”, como contabilistas, atendentes, auxiliares, secretárias.

É muito diferente a relação de cada grupo estrangeiro com o país. Como é de se imaginar, igual a qualquer país africano, há gente expatriada de todos os tipos a exercer inúmeras funções. Há muitas ONGS, há médicos, há professores, que vem para projetos e há os empresários que vem pura e somente pela grana. De um modo geral (de olhar de cacimbo) há uma diferença muito grande entre os estrangeiros que vivem na capital e os que vivem no interior. No interior costumam ser mais integrados à vida das cidades e das pessoas, até porque são reconhecidos por prestarem algum serviço e também porque trazem um certo progresso para o lugar. Na capital não são tão bem recebidos, pois são vistos como exploradores. Pessoas que vêm roubar os postos de trabalhos dos Angolanos (o que não é de todo mentira) e mesmo que usem serviços e gerem empregos, usufruem de uma gama de “privilégios” que deve gerar “revolta” aos nativos. que os servem e os obedecem. O pior é que a hostilidade acaba se tornando viciosa, pois nativos são hostis ,  estrangeiros retribuem, e assim segue o eterno bate e volta. Além disso, os estrangeiros que estão aqui estão para “ditar”, ou seja, para determinar regras, horários de trabalho, normas e esquemas que façam as coisa funcionar. Mesmo as Ongs ou os médicos e os professores, vêm dizer como comer, como cuidar do lixo, vêm ensinar. Todos vem com suas “verdades” de um “outro mundo” que funciona melhor. As novas gerações parecem mais abertas ao novo. _A facilidade que têm com as línguas lhes auxilia na comunicação e lhes dão oportunidades de emprego e crescimento, a maioria já nasce falando português e mais uma língua africana e inglês ou francês conforme a proximidade com as fronteiras sul ou norte._ Já as gerações mais antigas resistem mais às mudanças, apesar de terem tido desde muito a presença dos portugueses e depois dos cubanos e dos soviéticos no país, experiencias estas que em tudo parecem ter sido desagradáveis, pois lembram sobretudo da guerra. Agora, os extrangeiros ão de todos os cantos do mundo, inclusive muitos brasileiros, e tal como antes, em pareceira com o governo continuam a explorar, e também a gerar emprego, a trazer desenvolvimento enfim, modificar a essa terra e essa nação que há muito já não é a mesma.

É especial o caso dos chineses presentes em Angola. Há chineses por todos os cantos do país. Quase todas as placas tem inscrição em português e em caracteres chineses. Em geral estão aqui a fazer o mesmo que a maioria dos brasileiros, obras e construções, especialmente das estradas. Contudo, a parceria Angola-China não é com empresas, como é no caso do Brasil, mas com o governo Chinês. Por isso, há chineses engenheiros e peões de alto nível, a gerenciar obras, e há chineses fazendo serviços básicos ao lado dos angolanos recrutados para tais obras. Pelo que contam, nos acampamentos chineses do interior, que estão por toda parte do país, há chineses prisioneiros oriundos das cadeias chinesas que vêm à Angola prestar trabalhos para o estado chinês. Eles trocam dias de trabalho pela pena, mas não na China e sim em Angola. Se há presidiários mesmo, eu não sei, é o que dizem. Porem o que torna a presença dos chineses bastante especial e peculiar em relação aos outros expatriados é o grau de interação que conseguiram com o país e com as pessoas de Angola. Há chineses vivendo nos bairros pobres da capital e das cidades do interior. Há chineses casando com angolanas e tendo filhos negros-orientais (com certeza serão um novo tipo de mestiços, uma nova etnia local). Estão nas praias a comer espetinho de lula e tomar cerveja , estão nas feiras populares junto com os Angolanos. São um tipo de estrangeiros completamente adaptados e em interação com a população local.

Os brasileiros também são bastante adaptados e em geral bem recebidos, graças à TV brasileira  e as novelas que os angolanos adoram tanto quanto os brasileiros. Contudo não chegam aos pés dos chineses, os  brazucas que vivem na capital, em sua maioria (eu não me incluo nesses) vivem num lugar retirado do centro da cidade, em um bairro novo (Luanda Sul), sem lixo, sem, sem sujeira, sem prédios destruídos, sem pedintes, sem musseques, sem falta d'água ou luz, e com muitos guardas, muros e grades. Há ali um shopping, com supermercado, salão de beleza e umas duzias de lojas caríssimas e nada se parece com a África. Os trabalhos desses, ou são novas construções nesta região mesmo, ou são pontes e estradas e outras tantas edificações em outros pontos da capital onde passam apenas o dia ou no máximo algumas horas dele. No interior também há alguns brasileiros a viver e fazer outras coisa que não construção civil. Ainda na capital há brasileiros a viver no centro e trabalhar com informática, comércio, saúde, educação...estes interagem mais, na medida do possível.

Entre os angolanos há uma única diferenças étnicas que eu gostaria de enfatizar: Os emergentes são mestiços. Os mais negros ocupam funções básicas, transporte, segurança, limpeza, arrumação, obras, venda de produtos na rua, etc etc. Os menos negros (mestiços), ocupam cargos de secretárias, contabilistas, despachantes vendedores de lojas oficiais. A única exceção a tal regra me parece ser a categoria dos políticos. Esses são de todos os tipos, há inclusive políticos brancos descendentes de portugueses. Fora os políticos, os que ficam no sol todos os dias, os guardas, os policiais, as empregadas, os vendedores ambulantes, os viventes dos musseques são a maioria negro de várias etnias, porém sem qualquer clareamento na pele por qualquer mestiçagem. Os únicos brancos a viver nos musseques parecem ser  os albinos. Inclusive esta é uma peculiaridade genética bastante comum em angola. Há pelo menos uma criança albina em cada grupo de crianças que se visualiza a jogar futebol, ou nos grupos a ir para a escola. Imagino que devem sofrer com o sol, agora que o cacimbo está a passar, já se consegue perceber como é forte a claridade e o calor. 

domingo, 11 de outubro de 2009

Classificação dos habitantes de Luanda.

Passados os piores dias de cacimbo, arrisco uma classificação dos viventes dessa cidade. Antes sugiro que compreendamos que toda a rotulagem que uso aqui seja compreendida numa taxonomia maior e aceita cientificamente em todo o mundo desde séculos e séculos... AMÉM. Está escrita numa antiga enciclopédia chinesa e foi resgatada por Jorge Luis Borges e depois por Foucault. Lembrem-se:
Os animais se dividem em:
“a) pertencentes ao imperador; b) embalsamados; c) amestrados; d) leitões; e) sereias; f) fabulosos; g) cachorros soltos; h) incluídos nesta classificação;
i) que se agitam como loucos; j) inumeráveis; k) desenhados com pincel finíssimo de pelo de camelo; l) etcétera; m) que acabam de quebrar o jarro; n) que de longe parecem moscas”.

A taxonomia geral de Luanda, segundo eu que vos escrevo poderia seguir a seguinte divisão:

A) os que usam panos coloridos e que são mulheres;
B) os que são guardas;
C) os que usam abotoaduras nas camisas;
D) os menos negros com muito dinheiro;
E) os brancos vindos de outro país;
F) os chineses;
G) os lavadores de carro;
H) os políticos;
I) os que se enquadram nas classificações C, D e H;
J) os atingidos por minas terrestres;
L) os que cagam na rua duarante o dia;
M) os que foram à fila para gasolina;
N) o presidente da repúbluca;
O) os que se encaixam na classificação A e trocam dinheiro na rua;
P) os que sempre respondem “obrigado”;
Q) os albinos;
R) os que ainda não sabem que tem sida.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Dia de sol, dia de sàbado

Um rapazote sai dum predio a gritar em pleno sábado ali pelas 3 da tarde.
_O gringo! Tu é estangeiro que eu sei! Eu te conheço, ingrato!

E foi se aproximando até que chegou muito perto com os insultos. Paramos, falamos ao tal. E ele conseguiu ganhar um pequeno empurrão. Por pouco levaria uma surra. Poderiamos estar presos por bater num cidadão. A xenofobia anda por aí.
Contudo, trabalhadores que viram, enquanto concertavam um telhado muito proximo anunciaram em alto e bom tom.

_ Deixa o moço! Que que é isso! Tá drogado!
A nitida anti-xenofobia, o que nos deixa mais aliviados. Era um maluco anti-estrangeiro contra 20 pessoas que percebem que uma pessoa dessas so poderia estar louca.

dia de sol, dia de simpatia.

As mulheres que trocam dolares falam comigo. Perguntam de onde sou, porque tenho isso nos dentes, se isso dói. Se sou casada, se tenho filhos. Se quero comprar roupas. Dão sorrisos. Eu lhes digo que gostaria de ser negra, a pele é mais resistente ao sol. Elas dizem que eu tenho orgulho da pele negra. Eu digo que sim. Damos risadas. Troco dolares, compro bananas, vou-me embora. Elas me dizem que volte.

sábado, 3 de outubro de 2009

LUANDA e BRASIL _ Novela, gente, periferia (vîdeo de 2007)

Videos bàsicos apresentados na TV Brasileira, no fantastico. Porem muito Ilustrativos.

OBS:
Grande equivoco a parte que ela fala dos portugueses, que teriam ido e deixado tudo assim. Mentira, foram mandados embora e tudo se tranformou com a guerra.



A influencia das novelas na vida dos angolanos. Parece bem verdade. Hoje em dia tem mais energia eletrica que em 2007

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

O Cacimbo está indo embora

Dias de outubro. O cacimbo está dando lugar ao sol. As cores e o calor estao mais intensos. Os primeiros sorrisos surgem por trás da névoa. E ademais há coisas que só o sol nos deixa ver, ora poix.


quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Angola, fim de assaltos, conjecturas de Nocaute III

UM POUCO DE HISTÓRIA
Angola já foi comunista, agora é socialista aberta, se é que se podem aplicar rótulos. O governo atual de Angola é representante de um partido socialista, o mesmo que fazia o comunismo no país na década de 90. O mesmo que ganhou a guerra civil que houve por aqui, que durou de 1975 até 2002 e destruiu o país inteiro, ou o pouco de país que havia sido construído pelos portugueses. Trata-se do MPLA (Movimento pela libertação de Angola). A guerra se deu sob o pano de fundo da guerra fria e quem teria financiado o MPLA seria a Rússia e seus apoiadores, mais colaboração das tropas cubanas. 
Sabemos que a história e os detalhes de uma guerra mostram mais meandros que essa mera simplificação. Que no limbo das engrenagens políticas de um país, crescem fungos e ferrugens que sequer tomamos conhecimento se olhamos para a fotografia distante da grande máquina a funcionar. Sabemos que grandes potências financiando guerras em pequenos países pobres do sul do globo são uma lenda clássica que nos contam na escola quase como as história de bruxas, de monstros, de mocinhos e bandidos. No final, contada assim, a ideia de que a historia é uma ciência, com critérios certos, repetitiva e linear quase que nos convence por completo. 
Como não podia ser diferente, a historia daqui também tem um Simón Bolívar, um Nelson Mandela, um Ghandi, ..., um libertador nacional e nacionalista. Trata-se do senhor Agostinho Neto, poeta e herói nacional, condecorado pela única universidade pública do país, que leva seu nome e homenageado todos os dias por todos os cantos da nação através de quadros com sua fotografia de olhar sério e sonhador por trás de grandes óculos de aros grossos que adornam as paredes de escolas, hospitais, prefeituras e estabelecimentos públicos. No dia 17 de setembro, a comemoração é especial, feriado nacional para lembrar seu aniversário de nascimento. 
Foi o primeiro presidente do país, o fundador do partido, o idealizador da independência, aquele que lutou por Angola durante as guerrilhas e morreu de cirrose hepática, durante tratamento na Rússia, como um bom comunista poderíamos pensar todos, imaginando que o álcool estaria sempre presente nas exaustivas votações de pautas, de orçamentos, de projetos, etc., etc., durante os processos democráticos aos quais sempre se submeteriam todos os marxistas verdadeiros. Porém há outras versões para sua morte, como a de envenenamento, porque já começava a abrir o país pra conversas com outras nações, inclusive ao Tio Sam. 
Hoje, seu mausoléu na cidade de Luanda é digno dos grandes monumentos mundiais, como a estátua da liberdade e a Torre Eiffel. Seus companheiros de partido continuaram a luta e discursam para que sua memória e seus ideais não sejam esquecidos. Dirigem a nação de modo legítimo e internacionalmente aceito desde o acordo de paz que selou o fim da guerra em 2002. A guerra foi ganha através do último acordo tácito de paz contra o movimento, então enfraquecido, UNITA (União nacional para independência total de Angola) que hoje é um partido político secundário sem a mínima representatividade, cujos principais representantes da luta no passado estão mortos. Eu não virei especialista em história, principalmente de Angola claro, nem tenho clareza suficiente pra opinar sobre nada, mas confesso que fico tão intrigada com certas peculiaridades do que vejo que me incita pesquisar sobre o que de fato acontece. A volta do sonho ingênuo cientificista: “Até que o sol não brilhe, acendamos uma vela na escuridão” ( Confúcio). Até que passem os dias de cacimbo.



Angola, fim de assaltos, conjecturas de Nocaute II


Economia; sociedade; Dinheiro; pensamentos, conjecturas e conjecturas... 
 

O que me deixa pessoalmente impressionada é que me sinto uma rica aqui._ Não por ficar num hotel, que isso me faria rica no Brasil também, afinal sempre que viajo fico em barraca, em pousadinhas, ou, o que é o melhor: na casa dos amigos._ Por frequentar um barzinho e tomar uma cerveja nacional, que por sinal custa 3 vezes mais no barzinho que na rua ou nalguma loja ou mercado. Por ir ao dentista, entao, sou uma milhonária. São coisas tão básicas que a população em geral não tem acesso. 
 
Segundo a TV local, que é do governo, começa a haver consultorios odontológicos e clínicas públicas para a população. Eu até acredito e não duvido. Mas sabe aquela sensação que todos temos no Brasil de que se ficarmos doentes, a menos que seja uma doença gravíssima, se consegue um posto de saúde, consegue uns exames, uns remédios? Aqui não parece existir. Aquela sensaçao de que se não for um caso especial, conseguimos parcelar um dentista. Aqui não me parece assim. 
As pessoas são desdentadas. Vi moças novas com cáries visíveis nos dentes da frente. Não as ricas, claro. Não as que usam camisa e saia secretária, que andam de saltinho do carro até a entrado do local de trabalho e depois deste até as suas casas. Por outro, mesmo as desdentadas tem os cabelos alisados ou com aplique de mega hair, com tranças africanas perfeitas, que são feitos na rua ou em casa com cabelo artificial. 
 
São diferenças, sei que não há cultura de escovar os dentes, sei que isso não se chama cultura, se chama educação. Na verdade não tem água direito, muito nenos escova e creme dental. Imagino que as escovas não sejam tão caras, tem gente que as vende na rua, bem mais barato que nos mercados e ainda há os mercados populares, os roque santeiros, onde deve ser mais barato ainda. Só que pra quem quase não tem comida, para quem tem 7 ou 8 filhos, são muitas escovas, não há condições, não vejo como inserir esse tipo de educação. Fazer mega hair deve ser mais fácil, uns fazem nos outros e assim vão treinando para de repente fazer nalgum rico (como eu). 

As pessoas me interrogam quase todos os dias sobre o que é isso que tenho nos dentes. Tem gente que acha que é adorno, como quem coloca dentes de ouro. Eu quase não sorrio na rua porque é vizivel que os olhares interrogativos se dirigem para minha boca com o aparelho ortodôntico. 

Eu me interrogo o tempo inteiro, fico aqui com as minhas filosofices, meus pensamentos sobre a justiça, sobre os tais sentidos das coisas, sobre minhas direções... No final não entendo. Fico é mais filosófa do que antes, filosofia de boteco, ao modo de Sócrates: quanto mais conheço mais sei que desconheço. Depois ao Chico Buarque: ... a filosofia, hoje me auxilia a viver indiferente assim... vou fingindo que sou rico... 

Angola, fim de assaltos, conjecturas de Nocaute I

Economia; sociedade; Dinheiro; pensamentos, conjecturas e conjecturas...


Não consigo saber ao certo o porquê de aqui tudo ser tão caro. Fico a imaginar como foram os anos pós colônia portuguesa, os combates, o comunismo, a presença dos sovieticos e cubanos (Hoje estão os portugueses, franceses, chineses, americanos e brasileiros). Penso na diferença entre essa política e a o capitalismo declarado. Fico a imaginar como os angolanos compreendem sua própria história. O que se aprende na escola, o que mudou e o que mudará com tanto ¨progresso¨. Talvez a história explique muito da agressividade dos gestos e palavras dos transeuntes. A tristeza no rosto da mulheres. A negação aos estrangeiros, a necessidade incontrolável de pedir dinheiro. Fico a me indagar como é se sentir como nação depois de tantos conflitos. Porque o custo de vida é tão alto se a guerra deixou tantos pobres? Tento compreender, bebo em fontes angolanas _ estou a ler ONDJAKI, ótimo escritor conta sobre o país e seu povo_ Eu tenho minhas conjecturas. Penso que como a maioria das coisas ainda é importada, tudo tenha um valor acrescido pelo transporte, pela importação, pelo atravessamento comercial, etc. etc. Também sabe-se que há poucos serviços, hotéis, pousadas, restaurantes, bares, supermercados, lojas, de nível razoável (de limpeza, de condições visuais menos destruídas, sem pulgas, moscas, mosquitos, ratos...) o que faz com que haja uma supervalorização do pouco que existe.
Quando penso nas contradições que envolvem essa nação, um país riquissimo (com un dos mais altos PIBS da Africa, cheio de petroleo e diamantes) e com uma distribuição tão desigual, (gente que vive com menos de 1 dólar por dia). Me parece natural, diante do quadro, que eu não consiga sair às ruas sem ser assediada por pobres pedintes, vendedores de tudo e de nada, loucos pelo meu dinheiro mesmo que eu não o tenha. Não deixo de me sentir insegura numa sociedade como tal, e não é porque o cidadão angolano tenha uma tendencia a delinquência (como até poderiamos considerar certos brasileiros no Rio de Janeiro, ou em Salvador, lugares turísticos e com problemas de distribuição de renda, que usam da malandragem para enrolar o estrangeiro e ganhar algum), mas porque somos os ricos locais e, supostamente, o que lhes daremos como esmola jamais nos fará falta. Se somos estrangeiros, frequentamos um hotel, comemos num restaurante, compramos em supermercados, somos, obviamente, pessoas com muito dinheiro e, certamente, poderemos ajudá-los. Espera-se que a reconstrução do país poderá fazer o custo de vida baixar, assim como está aumentando o número de empregos, escolas, hospitais, ou seja, está (esperamos) melhorando o país. Ao menos esse é o discurso que se vende e se doa aos quatro cantos do mundo.


Contudo parece que a diferença social se firma, não apenas na carência dos meios, mas em outras questoes proprias de nossas sociedades atuais, a saber, a superrvalorização dos produtos para estabelecer as diferenças de poder, para marcar território, para mostrar quem pode e quem não pode _ É uma fetchização das mercadorias para usar termos bem clássicos de uma escola de pós-marxistas_ Por exemplo, as roupas aqui são um absurdo de caras. Uma camisa qualquer vendida na rua, custa 3000 kuanzas, ou seja, uns 35 dólares, coisa que na europa custaria 8, no máximo 15 e não venderiam na rua. E isso determina muito bem quem usa roupas, sobretudo sociais, e quem anda com as camisetas amareladas pelo tempo e pelo pó.